segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Review: Robocop (2014)


Quando anunciado o remake do clássico Robocop, a reação foi a mesma de qualquer anuncio de remake de uma amada franquia: ninguem achava que a ideia era boa. A coisa mudou um pouco quando surpreendente o anunciado diretor do projeto era ninguem menos que José Padilha, diretor dos dois 'Tropa de Elite', porém de medo de alguns continua. Com o lançamento do filme, temos um resultado com um tom bastante diferente do original, e por isso mesmo isso se torna o seu grande triunfo.

Antes de mais nada, vamos a sinopse: O ano é 2028. Já faz vários anos os drones têm sido usados para fins militares mundo afora e agora a empresa OmniCorp deseja que eles sejam usados também para o combate ao crime nas grandes cidades americanas. Entretanto, esta iniciativa tem recebido forte resistência nos Estados Unidos. Na intenção de conquistar o povo americano, Raymond Sellars (Michael Keaton) tem a ideia de criar um robô que tenha consciência humana, de forma a aproximá-lo à população como produto. A oportunidade surge quando o policial Alex Murphy (Joel Kinnaman) sofre um atentado feito pelo traficante de armas Anton Vallon (Patrick Garrow), que o coloca entre a vida e a morte. Após o ocorrido, a OmniCorp faz um acordo com a esposa de Murphy, Sara (Abbie Conish), desesperada para que a vida do seu marido seja salva, e graças a ajuda do doutor Dennet Norton (Gary Oldman), é criada a armadura cibernética que transforma Murphy em Robocop.


A grande, e mais clara mudança em relação entre este novo filme e o original, e como disse antes isso é o seu grande triunfo. Todos os Robocops posteriores (contando os outros filmes pós-Paul Verhoeven e as series de TV)  não deram certo exatamente por tentar copiar a formula vencedora do primeiro filme. Mas é aquilo, era a personalidade do diretor inserida ali que deu vida ao personagem, e a personalidade e visão de José Padilha que tornou o antigo clássico de ação dos anos 80 em um Sci-Fi dos anos 2010 que tem tudo para se tornar um clássico por si só no futuro, e os motivos estão bem claros, deste a primeira (e sensacional) cena do filme.


Vemos uma visão dos Estados Unidos se posicionando como sempre de certo modo se colocou: o xerife do mundo, que tem a missão de pacificar e civilizar os povos "menos civilizados". Mas por trás da utilização dos robôs, está uma doutrinação baseada no medo, especialmente pela imposição que maquinas frias impõem sobre quem é seu alvo, e certas situações impões decisões preto e brancas em situações cinzentas, situações essas que se fosse com um humano por trás do gatilho o resultado poderia ser diferente. A situação de certo modo muda quando se trata de trazer esses robôs aos EUA, que tem uma forte onda negativa em relação a utilização da tecnologia nas ruas americanas, e se formos parar pra pensar os motivos disso, podem ir além do fato das decisões preto-e-branco inseridas pela fria maquina calculista, mas pelo próprio medo de perder a possivel liberdade que os americanos tanto prezam, mas que fazem questão de levar a outras lugares.


Isso só não demonstra que a população pode ter aprendido as lição com as guerras anteriores citadas nos filme, guerras essas que trazem perdas para ambos os lados e não resolvem nada, mas ainda demonstra que o papel da America e do americano em serem de qualquer forma os "tiras bons" está tão enraizado na cultura deles que de qualquer maneira eles preferem que isso continue a ser feito. E nesse momento que vemos o quanto a decisão acertada de Raymond colocar um americano dentro da maquina, e tornar isso algo que não seja somente interessante para quem diretamente ele vende, que no caso seriam as forças policiais que ganhariam um ótimo reforço, mas também para aqueles que seriam diretamente afetados pela população, que ganham um Herói e alguem de confiança dentro de um sistema considerado corrupto por muitos.


Mas aí que está o problema. O Xerife é tão Fora da Lei quanto aqueles que eles caçam. A Omnicorp utiliza os meios de comunicação (representada por Samuel L Jackson como Pat Novak, apenas sensacional no papel) e a mentalidade já enraizada de um dos lados da discussão para manipular as situações ao seu favor e são capazes de agirem acima da lei para garantir seus direitos de enriquecer a qualquer custo, com uma proteção que só não deixa atingir um lado. Em contraponto, há quem ache que isso seja um retrocesso no avanço bélico que os robôs trouxeram, representado pelo cão-de-caça da Omnicorp e designer militar Rick Mattox (interpretado pelo sempre sensacional Jackie Earle Haley). Mas em nome do avanço, e do dinheiro, tudo pode ser negociado, apesar que Mattox utiliza cada oportunidade ao lado do Robocop para comprovar o quão errado e imperfeito ele é. E é a partir de tudo isso que termos a figura do Alex Murphy, que faz toda a diferença pro filme: ele é, a muito custo, o herói americano que deu certo, e que a América merece.


Alex Murphy é um homem de família, que ama a esposa e o filho incondicionalmente, além de procurar utilizar seu trabalho de policial para realmente não só defender a população, mas também tentar limpar a corporação do qual ele realmente acredita que ele possa fazer a diferença. É repreendido por estar tentando fazer a coisa certa e morto por procurar fazer aquilo que é apenas seu trabalho. A velha máxima dos caras bons só se ferram. A transformação dele só pode ser descrita como brutal, é só ver o que fizeram questão de deixar para que a união dele com a maquina funcionasse, mas todo esse processo não só enriquece o lado sci-fi do filme, do qual a questão de quem é o verdadeiro chefe, o homem ou a maquina é amplamente explorada (seja no lado pessoal ou neste caso o profissional), mas também permite que as melhorias causadas pelo lado robô permitam ser um melhor policial, resolvendo não somente a causa de sua "morte" mas também o grande problema em seu local de trabalho, a custa até mesmo de pessoas que ele considerava seus amigos.


E o grande conflito do terceiro ato surge daí, no momento que ele passa a resolver crimes de quem, na visão da empresa que o criou, não deveria mexer, que deve afetar outros compradores não só no momento mas também no futuro. A própria instabilidade de se ter um humano de certa maneira tomando controle da maquina mostra que esse é um processo difícil, e ninguem está a postos de apoiar um herói instável. A lei Dreyfuss ganha força a medida que o mistério publico em torno do Robocop aumenta, e por mais que parte da mídia  tente demonstrar que mesmo assim a utilização do mesmo é boa para todos, uma hora a bomba iria explodir. Não dá pra tirar o elemento humano de algo que nasceu humano, não da mesma maneira que reprogramar um robô. No processo, o lado humano se sobrepõe e o lado robô é utilizado não somente para cumprir aquilo que o software se propõe, mas acaba se tornando algo com o objetivo em comum com o pensamento humano.


E não dá pra falar sobre as fortes questões trazidas pelo filme ser de fato um sci-fi sem falar sobre Dennet Norton, personagem de Gary Oldman que serve como o Dr Frankenstein, Psiquiatra e Aliado de Murphy em sua jornada. Ele já tem um grande trabalho relacionado a robótica e tratamento de pessoas deficientes, mas eleva isso a outro nivel a um Alex em estado vegetativo uma nova chance de viver, mesmo que seja com resultados que possam ser considerados polêmicos. Dennet tem questões mais filosóficas do que as questões práticas vividas por Murphy, mas o fato de dele também estar enfrentando a Omnicorp a sua própria maneira comprova que ele também é um dos heróis do filme.


Vale a pena citar a cenas de ação do filme, menos gráficas e sanguinolentas do que as do original, mas nem por isso menos sensacionais. O ataque no Teerã e a emboscada no restaurante revive os dias de Tropa de Elite, seguido pelo teste final na China ao som de Focus, enquanto o tiroteio no esconderijo de Anton Vallon é visualmente estonteante, direto e sensacional, finalizando com a impressionante batalha do Robocop contra 3 (!!!) ED-209, comprovando novamente, nem que seja momentaneamente, as vantagens de ter um toque humano no modo de batalha automático. Até mesmo um simples dia na missão de Robocop consegue vender seu estilo de operação quando controlado ainda pela Omnicorp: curto, seco, rápido, porém nada humano.


No fim das contas, o novo Robocop consegue definitivamente merecer sua atenção e sua admiração, em ter criado basicamente o Tropa de Elite gringo: Direto em sua critica, sensacional em sua ação e ótimo como filme. Padilha está de parabéns por não só enxergar e trazer uma nova ótica sobre o personagem, mas trabalhar com as reais possibilidades do mesmo. Esperando ansiosamente que venha mais filmes da franquia como esse.

NOTA: 9.0