sexta-feira, 18 de julho de 2014

Por que Superman é o novo Superman


Me incomoda de verdade ver certos textos dos quais falam que “[Insira o filme da Marvel Studios do mês aqui] é o novo Superman.” Não que eu esteja diminuindo a importância que a Marvel Studios teve pro gênero nos cinemas, mesmo assim seus personagens não tem a importância que Superman teve em toda a sua existência e dá suporte a aqueles que não gostaram e/ou não entenderão o que foi feito em ‘Man of Steel’. Em meios a todas as suas polêmicas, é inegável, vendo as pessoas em sua maioria quando discutido sobre e crianças pelas ruas mais do que nunca com o ‘S’ estampado em seu peito em camisetas, que esse filme deu certo em trazer o Superman para uma nova geração, apesar que ainda há vozes, especialmente na internet, que julgam isso o contrário. Esse editorial está sendo feito para justificar que Superman, como símbolo, se reinventou com o filme de Zack Snyder e o que foi feito para isso dentro do filme, sendo que tudo isso foi sendo uma evolução do que foi feito nas HQs, afim de defender o filme como filme mas também como peça de grande importância pra história do personagem.


O Superman até aqui: de 2000 até os Novos 52

Acho que para falarmos sobre como Superman chegou até aqui, temos que falar sobre sua trajetória ao longo da década passada, e as coisas que as marcaram. Temos o Superman que já tinha abandonado a fase elétrica dos anos 90 e após a Imperiex War com a insígnia negra em luto aos mortos durante o conflito (que é paralelamente uma alegoria aos atentados de 9/11), que gerou a grande questão: os heróis como Superman, mais clássicos e com senso de justiça que poderia ser considerado mais “careta”, funcionaria num mundo em que estamos agora? Logo após, inspirados pelo sucesso de Authority, foi criado A Elite no clássico ‘What is wrong with truth, justice and american way?’, que põe em conflito direto o Homem de Aço com esse tipo de equipe. Em 2003, Mark Waid faz um reboot da origem do personagem, a primeira desde o ‘Homem de Aço’ de John Byrne, com ‘Birthright’, uma ótima origem para um Superman pós-9/11 mas que durante anos ficou meio renegada pelas fãs, tanto que a origem em si ficou poucos anos sendo válida, e essa mudança leva ao próximo ponto, crucial, desta questão.


Durante os anos 1990, foram tentados tirar do papel projetos de filmes para o Superman, primeiro estrelando Christopher Reeve, e outros posteriores a sua morte com outros. Enquanto os principais projetos de TV com o personagem nesse período se aprofundavam na caracterização feita por John Byrne, os cinemas ainda tentavam emplacar algo que pudesse seguir o que foi feito por Reeve mas de alguma forma não fosse o Superman dele, como por exemplo a tentativa de Tim Burton no famoso ‘Superman Lives’. Aos poucos foi tentando mudar de abordagem, mas tanto ‘Batman Vs Superman’ quanto ‘Superman FlyBy’ queriam tirar o personagem do lugar comum e questionar os porquês dele: um Superman que salva o Coringa de um linchamento publico é condenado pela sociedade, enquanto Flyby começa a flertar com a ideia da invasão kryptoniana com vários agentes do exercito de Krypton infiltrados em nosso planeta, incluindo até mesmo Lex Luthor.

O produtor Jon Peters, a lado da estatueta do Superman de 'FlyBy'

Mas aí mora a grande questão: até então, mesmo com todas as mudanças do personagem até aqui, os filmes estrelados por Christopher Reeve estavam muito impregnados a imagem do personagem, fora dos quadrinhos e inconscientemente dentro delas também. O ponto de explosão foi quando finalmente ‘Superman Returns’ foi lançado, atendendo os pedidos dos fãs de mexer naquilo que não estava errado e manter o clima, tom e estética dos filmes antigos do personagem. Deixando bem claro que pessoalmente eu amo o filme, acho uma grande adição se você ver ele como a parte final da história iniciada em ‘Superman’ e ‘Superman 2’. È um estudo profundo do que é o personagem e universo construídos por Richard Donner, além de uma bela homenagem ao legado de Christopher Reeve e um belo, profundo e sentimental desfecho a história criado em 1978. Mas por outro lado também demonstrou um grande problema: esse Superman, que crescemos e cultuamos, não estava mais funcionando. Mesmo com todas as tentativas de se modernizar o personagem, ele estava ainda preso a aquela interpretação, e assim como ‘Superman Lives’, procurava ir além mas sem se desprender daquilo.


Isso está mais do que evidenciado na série de TV ‘Smallville’ (que teve até rumores que estaria de fato ligada a Superman Returns) e posteriormente com o retcon-que-se-tornou-reboot ‘Last Son’, que já jogava fora o que Mark Waid tinha feito com ‘Birthright’, que na época não teve um recebimento tão caloroso quanto hoje em dia. Mas é importante frisar que os questionamentos sobre se Superman poderia ser o super herói do século XXI começaram bem antes, e o filme acabou agindo como a agulha dessa bolha sobre a relevância do personagem. O próprio ‘Birthright’, ‘Red Son’ do Mark Millar, ‘Secret Identity’ de Kurt Busiek e ‘For Tomorrow’ de Brian Azzarello já questionavam a divindade do personagem e os efeitos de um super homem em nossa sociedade, mas a coisa só se tornou uma discussão de fato após ‘Superman Returns’. Histórias como ‘Thy Kingdon Come’, ‘Up, Up and Away’, ‘Superman and the Legion of Super-Heroes’, todas por Geoff Jonhs, ‘Grounded’ por J.M Straczynski e a saga New Krypton, por diversos escritores, foram as principais histórias questionadoras do papel do personagem em nosso tempos após o filme de 2006.


Mas e aquilo, questionar mudanças são uma coisa, mas mudá-las de fato são outra bem diferente. E após a saga ‘Flashpoint’, a DC mudou tudo, tudo MESMO, reiniciando seu universo do zero, o que gerou inúmeras discussões sobre esse ter sido um movimento bom ou não. O Superman mostrado ali definitivamente não era o escoteiro de antes: um Clark Kent órfão, mais jovem, mais impetuoso e cabeça quente, porém acima de tudo um jovem que quer fazer o bem, tanto quanto o super herói quanto o jornalista. Ainda ele está evoluindo, mas mesmo assim vemos o jovem cabeça quente, defensor das minorias que vimos no começo da fase Morrison, quanto o herói já estabelecido em “Hel’ On Earth”, e ainda sim tendo seu recém formado status quo dentro dos Novos 52 desafiado em ‘Superman Unchained’, e de como seu relacionamento com a Mulher Maravilha afeta ele como pessoa e herói, e o papel que ele carrega como herói perante ao mundo em ‘Justice League’ demonstra que ainda há muito que se fazer com o personagem em seus 75 anos de vida.Sem contar ainda a linha de graphic novels ‘Earth One’, da qual ajudou bastante a influenciar o filme ‘Man of Steel’.


Mas a importância de se discutir tudo isso é que um personagem evolui e se mantém tantos anos de publicação se mantendo relevante ao mundo ao seu redor, então mudar é preciso, e vai ser, sempre. E em termos de adaptação, normalmente as pessoas procuram as fases mais representativas destes personagens para fazer uma interpretação única disto tudo. O que foi feito em ‘Man of Steel’ no caso foi isso e ao mesmo tempo algo a mais foi feito: adaptando as histórias mais recentes e relevantes do personagem mas também procurando no próprio processo tentando responder as mesmas perguntas que os fãs estavam se fazendo nos últimos 12 anos: como tornar o Superman novamente contemporâneo e relevante?

Os diversos heróis de ‘Man of Steel’

Não dá para falar de Clark Kent neste filme sem citar dos outros heróis do filme e como isso atinge diretamente o desenvolvimento dele como pessoa e super herói. Além disso, temos outros exemplos de heróis que entram diretamente dentro da mensagem maior do filme, do qual será desenvolvido posteriormente após esta parte. Então vamos começar pelo começo, no caso com Jor-El (Russell Crowe): pai e cientista, ele percebe que Krypton está em seus últimos dias. As decisões políticas tomadas levaram ao planeta cada vez mais sem recursos, e ele entra em conflito direto com seu melhor amigo, general Zod (Michael Shannon), por suas visões serem bem diferentes. Zod, como homem de ação, quer apenas salvar as raças mais fortes em uma tomada rápida do governo. Jor-El, como homem de razão, sabe que o problema não deve ser resolvido de uma maneira racista e superficial, a questão vai além disso, é também uma questão cultural e comportamental.


Anos após a morte de seu pai na Terra, o adulto Clark Kent reencontra o “fantasma” de Jor-El da qual lhe mostra não só sua origem, mas também seus objetivos. Ele o ensina a como lidar com seus poderes e seu messiânico papel na Terra, como aquele que iria moldar a humanidade a um caminho brilhante no futuro, sendo o elo entre Krypton e a Terra. Como iremos falar posteriormente, ele não assume esse papel de imediato, mas seu pai, mesmo numa pós-vida digital, ainda ajuda a deter os planos de Zod, sabendo e tendo orgulho do homem que seu filho se tornou, e de que seu sacrifico não foi em vão.

Com um plano em ação a bastante tempo, Jor-El utiliza seu filho para ser aquele que irá carregar a esperança da espécie no futuro. E dentro da sociedade que vive, Kal-El é ironicamente uma aberração, já que ele nasceu de parto natural ,e não por desenvolvimento genético, e não tem destino definido desde o berço desta sociedade. Ele é dono de seu próprio destino, e Jor-El vai lutar, e até mesmo morrer, pelo direito de seu filho continuar desse jeito e dar esse fio de esperança para Krypton. Ele é um herói exatamente por tentar salvar o único resquício real de vida de seu planeta natal, e a chance de no futuro aquela sociedade não cometer os mesmos erros, em seu momento mais crítico. Ele sacrifica o pouco tempo de vida com seu filho para que o mesmo, junto com (literalmente) a semente de seu planeta, possam viver.

E aí chegamos então a Terra, com a polêmica interpretação entre os fãs de Jonathan Kent (Kevin Costner). Jonathan é normalmente interpretado como o pai caridoso, que dá total suporte as decisões do filho de usar seus poderes para o bem. Não que o Pa Kent do filme também não tivesse esse lado, mas ali foi inserido o elemento justificado do medo. Medo da sociedade de tirar o filho dele, medo que o filho possa sofrer, e consciente da grandeza e importância de Clark, que ele tome um caminho errado. Como foi dito neste editorial de Javi Olivares, poderíamos considerar Jonathan Kent “o grande vilão” de ‘Man of Steel’, por querer o melhor para o seu filho, exatamente o reprimindo: (Tradução livre)

“Eu interpreto que Clark é constantemente reprimido, ele não faz praticamente nada por medo de que seus poderes sejam descobertos. E isso é um conceito que vem seu pai, que lhe ordenou assim (com a melhor das intenções, é claro). Então Jonathan enviou essa mensagem de maneira não tão lapidada a vida inteira, da qual ele acredita cegamente, dá uma lição final ao seu filho ao se sacrificar, mesmo sabendo que Clark poderia tê-lo salvo. O ruim disso tudo que afunda ainda mais Clark no “armário”, fazendo que ele fique mais reservado e com medo de aparecer em público.”

No fim, o que temos é um homem que nasceu, cresceu e morreu numa cidade pequena, e que via a vida como algo simples e com linhas bem definidas, até que aconteceu de achar uma criança alienígena abandonada e a partir daí descobrir não somente a importância dessa criança que veio a se tornar seu filho, mas também a sua própria. E esse medo, do qual falamos acima, reflete na criação de Clark, que ao mesmo tempo que procura isolar ele de todos, também procura ensinar o que é justo e certo ao longo de sua vida, e se é para viver um ideal, leve isso ao ponto mais longe em que você acredita. No fim, o idealismo que Jonathan Kent aplica em seu filho o sufoca, mas faz isso de boa fé, já que vê em Clark alguém predestinado não só a coisas grandiosas, mas a coisas boas. E isso nos leva a polêmica morte do personagem, onde ele morre para proteger o segredo de seu filho, mesmo que Clark realmente pudesse salvá-lo.


Mas é aí que mora a grande questão do filme, e também da interpretação de heróis nos filmes de Zack Snyder: o herói só é um herói quando sacrifica algo, até a si mesmo. E Jonathan, com medo de afetar o legado que seu filho, ainda imaturo naquele ponto, se vê em uma situação em que morria ou via o segredo de seu filho ser exposto. E ver seu filho lidando com as consequências da sua própria grandiosidade antes de hora é mais doloroso para ele do que a morte, e por isso que ele se sacrifica. E isso obviamente afeta Clark, que morre sem dizer o quanto ama seu pai após compreender, de maneira trágica, a razão dos esforços de seus esforços. Não foi o furacão que o matou de fato, mas suas próprias crenças e o ato de defendê-las, escolha esta feita como alguém seguro dessas crenças e do destino que poderia nos levar.

Também é valido citar Lois Lane (Amy Adams) como uma das heroínas do filme, apesar de sua grande participação no esquema das coisas a principio não seja grandiosa, o quanto mais ela se afunda dentro desse universo mais essencial ela se torna. Mas a grande questão do qual indico ela como heroína é o efeito em que ela tem em Clark Kent. Ela, assim como Jonathan, vê nele alguém em potencial de se tornar um herói de fato. Suas ações demonstram isso muito bem, e até por experiência própria faz ela acreditar nisso. Mas porque o herói se esconde? Essa é a questão que a principio ela se arrepende por ter perguntado, pois não sabe o que Clark sofreu para manter seu segredo escondido.


Mas agora isso tudo está nas mãos dela, como ela irá lidar? Ela vai destruir a vida dessa pessoa, e da única família que restou, que é sua mãe? E num salto de fé, Clark decide confiar nela, porque isso que Clark Kent é, uma boa pessoa, e espera que as outras se comportem como tal. E Lois se torna a grande heroína por exatamente essa confiança vir num momento histórico e ao mesmo tempo perigoso para os cidadãos da Terra. Lois sabe quem é o alienígena, e por ter tido contato suficiente com ele para se tornar uma de suas poucas confidentes, sabe que ele irá salvá-la, e o mundo, no processo. Por isso que na cena do deserto, Clark diz “Obrigado por ter confiado em mim”, porque não importa qual mídia, esse é um dos papeis da Lois, e um dos fundamentais: trazer esperança e confiança para o Clark.

E chegamos ao ultimo herói do filme: General Zod. Sim, o general tem um lado que pode ser considerado o herói do filme, mas Zod, diferentemente do que Joe Quesada pode pensar, é de fato um vilão. Sua intenção é de reconstruir seu planeta e a cultura de seu povo, mas ele procura fazer isso da pior maneira possível. Ele é frio e calculista na precisão do que faz, mas seus atos esconde um racismo explicito aliados a um ego inflado e sensação de superioridade. O que ele deseja é sincero, e poderia ser feito sem uma gota de sangue, mas ele não pode reconstruir sem destruir o pária dentro de sua sociedade, e assim ele decide fazer isso na Terra, e sem medo de tirar vidas humanas. As leis dessa sociedade da qual acompanharam a vida inteira também tem que ser seguidas em Nova Kypton, como ele mesmo diz, “sem as linhas de sangue degenerativas que nos levaram a este ponto”.


Além disso, tem o fator ego: ele não quer deixar que Jor-El e Lara acabem vencendo, pois ele sabe que se fosse viver na Terra, ele seria um pária, sem papel definido, e em um breve momento durante sua conversa com Jor-El na Terra ele confirma isso, quando diz se ele queria que passássemos anos tentando se adaptar ao planeta como o filho dele. No fundo essa possibilidade o atormenta, tanto quanto o fato de alguém ter que escolher seu destino. E no ponto em que toda sua esperança é destruída, com seu exército sugado de volta pra Zona Fantasma e a maquinaria que ajudaria criar outros Kryptonianos destruída, ele é um homem que já se considera morto por dentro. Ali foi tirado seu propósito de vida, o único que lhe restou. E sem propósito, só lhe resta raiva, cega e sem precedentes. Se antes ele deixaria uma pilha de mortos para recuperar seu planeta natal, agora ele deseja matar todos quem Clark Kent jurou, e até então conseguiu proteger por não ter mais objetivo, só ódio concentrado.

O Homem do Amanhã: Clark Kent e as razões de ser um Homem de Aço

Poderia até tirar uma definição exata sobre o que Superman (aí já falando no contexto do personagem da DC Comics) significa de outros textos, mas acho mais justo e válido nesse quesito falar sobre meu ponto de vista do que eu acho que é o personagem: Superman representa o bem, não só o Bem no sentido literal da palavra, mas especialmente o bem ao outro. Ele é a pedra angular do que é ser um super herói, é a Tabua de Lei do gênero. Além disso, a sua solidão por causa de seu papel no mundo nos faz identificar com o personagem por causa de, mesmo como salvador do mundo, sua opção é de ser e agir como nós em sua vida pessoal. Ele poderia ser um deus, mas não vê como tal, e daí surge sua maior força: de sua humanidade e de se reconhecer humano.Não é a “demonização” do ser humano como o Batman, do qual Bruce Wayne se torna um pesadelo para enfrentar pesadelos, Superman é sobre a humanização de Deus, dele ser de fato nossa imagem e semelhança, e mesmo agindo como nosso messias, ainda sofre e é afetado pela sua própria humanidade.


E com isso em mente começamos a falar sobre Clark Kent no filme. Como a própria temática do filme indica, começamos com uma leve vislumbre do que conhecemos da história original (Kal-El, chegando ainda bebê a Terra), mas o filme decide não explorar sua infância e adolescência do jeito considerado mais tradicional, como é de praxe nas histórias de origem baseadas em quadrinhos, e pula diretamente para ele já adulto, onde encontramos Clark Kent num cenário completamente diferente do esperado: trabalhando em um navio pesqueiro. Mas logo após vemos ele abandonar o navio para ajudar os trabalhadores presos numa estação petrolífera em chamas. A partir dai começa de fato a exploração de Clark Kent neste filme, mostrando os momento mais marcantes de sua vida, que o ajudaram a formar seu caráter como pessoal adulta, e também o momento de transição em que ele vira o primeiro assim chamado Super Herói.

As cenas de flashback dele quando criança/adolescente tentam não só compreender a extensão de seus poderes, mas também o porque dos mesmos e sua posição no mundo. Clark quer ajudar as pessoas, mas sua exposição significa uma possibilidade de interferência não só em sua vida, mas na vida de seus pais. Ele é tão único, tão especial, e por ser tão especial caba ficando confuso e isolado. Só que os Kent também não sabem como lidar a situação quando Clark começa a crescer, acabando criando ele numa “cultura de medo” enquanto se sacrificam para tornar seu filho a melhor pessoa possível, porque eles viam o potencial dele como pessoa e de como isso poderia mudar o mundo de fato.

Mas o respeito pelo próximo, a compaixão estão presentes, mesmos que com outros sentimentos mais negativos embaralhando tudo, afinal ele está em fase de crescimento e com isso vem os conflitos do que é certo ou errado, sendo Jonathan Kent, figura aí que mesmo super protetora, que ensina seu filho a ser de fato uma boa pessoa, indo até em concepções mais profundas nestas questões afim de Clark entender a si mesmo como individuo. O fato do jovem Clark Kent aparecer lendo Platão em uma das cenas, por exemplo, mostra isso e remete diretamente as raízes do personagem (que tem bases bem Platônicas). E o livro tem um motivo bem forte para estar ali, e nada gratuito por sinal: ‘A Republica’ de Platão, como explicado de maneira bem aprofundada neste texto de Peter Lawler, tem BASTANTE conexões com o filme, do qual só comprovam que o filme tem bastante profundidade, respeita as concepções do personagem e comprova sua excelência como obra cinematográfica.

Vemos que Clark Kent nasce com um ímpeto de ajudar as pessoas, mas por causa de sua natureza única, foi criado afastado das pessoas pelos seus pais, com medo não só do qual tipo de mal poderiam fazer com seu filho mas também de como pessoa naquele ponto, poderia afetar o mundo ou ser erroneamente influenciado pelo mesmo. Depois de um ato extremo de sacrifício de seu pai, que preferiu se matar a forçar Clark revelar seus poderes a publico em um momento extremo, Clark Kent, por volta de seus 18 anos, sai de casa e vai tentar achar não somente um destino para sua vida, mas também de suas origens.


Ele se culpa pela morte de seu pai, e sem mais aquele que até então o prendia em Smallville, ele sai ao redor do mundo, ainda se escondendo, ainda se mantendo fora do radar . Mas ao querer ajudar as pessoas, e com a inevitável exposição de seus poderes, ele decide sumir dos locais, rodando o mundo no processo. Porém, como Lois até diz no filme, não dá para se manter escondido enquanto você quiser ajudar as pessoas. Clark Kent sempre encontra o jeito de se mostrar pró-ativo a ajudar as pessoas nas mais pequenas, ou grandes coisas acontecendo ao seu redor, seja um homem respeitar uma mulher como individuo (e não objeto), ou salvar vidas em perigo no meio do Oceano. Mas ao finalmente achar uma misteriosa instalação vigiada fortemente pelos militares, ele descobre a Nave pertencente aos seus antepassados, ele finalmente tem respostas, e aí seu papel é novamente ampliado, mas desta vez dentro do contexto de outra raça.

Se até então, as implicação de ter um alien na terra já mudaria o jeito de a humanidade ver a si mesmo, Clark se vê agora como uma responsabilidade maior: ele seria não somente o embaixador de Krypton na terra, mas secretamente também aquele que poderia repovoar Krypton na Terra, já que o Codex, que contém a chave do DNA kryptoniano, está unido a suas células. Atenção a palavra chave, PODERIA, ela já que ela indica o começo das várias opções que o personagem poderá tomar para seu futuro. E após descobrir suas origens, a sua reação é bem diferente do que a de outras no caso em relação ao personagem: ele não sai por aí como salvador do mundo, porque até então o mundo não é suas responsabilidade. Ele volta para Smallville feliz, sabendo que pode finalmente seguir com sua vida em paz.

E ai vemos a primeira fase da vida do Clark Kent ser fechada: uma pessoa fechada, isolada, mas de bom coração, que tem medo que a exposição possa não só oferecer perigo a ela, mas as pessoas da qual se importa, mas que não pensaria duas vezes a se expor a uma pessoa para salvá-la, como fez com Lois Lane e os trabalhadores da Plataforma de Petróleo. Ele está numa posição em que pela primeira vez na vida ele está fazendo de fato o que quer: ele não quer ser um novo Messias, ele descobriu suas origens e agora volta para casa para tocar sua vida, como uma pessoa e cidadão comum. Mas novamente, o destino dá cabo das coisas acontecerem e mudarem a situação e pensamento das pessoas.


Com a chegada de General Zod e sua remanescente armada, ele literalmente joga nas mãos de Clark Kent o destino do Planeta Terra, trazendo de volta aquilo que Jor-El tinha lhe dito sobre ser o símbolo de esperança do qual ele poderia ter. Mas dentro de Clark ainda mora a desconfiança de que, ao se revelar ao povo da Terra, ela seja visto como diferente, e o medo deles o exclua dessa sociedade. Mas no fim das contas, ele decide dar um salto de fé, e mesmo com Lois fazendo o possível para proteger a sua identidade, ele acaba surgindo onipotente carregando o símbolo oferecido por seu pai biológico, podendo ter a confiança e segurança que sempre quis, mas não podia, pois outro ensinamento de seu pai foi para entrar em uma briga e dar o melhor de si só quando essa briga fosse valer a pena brigar, e o destino de um planeta é algo grande o bastante para preencher essa posto.

E a partir do seu primeiro encontro com Zod, o que Jor-El disse de “sempre testar seus limites” é colocado a prática. Ele, como a imagem de um Super-Homem, mas não sendo um de fato, é desafiado fisicamente, moralmente e psicologicamente. Ele percebe que sim, pode ser o Messias que a Terra precisa, assim como pode ser o salvador da mesma, mas já antevendo as decisões difíceis que pode cometer por enfrentar não só pessoas e soldados mais experientes, mas pessoas que tem uma convicção como único e principal objetivo de vida.

E após lidar com isso, e passar por uma série de experiências a vida toda que moldaram a si mesmo como pessoa, os acontecimentos depois que ele se revela ao mundo formam tanto as máscaras do Superman, o herói de fato, e de Clark Kent, repórter recém chegado de Metropolis, identidades essas que não só permitem continuar a usar seus poderes para o bem, mas especialmente, o destino que ele escolheu para si e que o permitiria viver feliz consigo mesmo, fechando ali o tema mais importante em relação do filme: de que nós fazemos nosso destino, mesmo com as influências boas ou ruins ao nosso redor, e nossas escolhas nos ditam a nossa própria humanidade.

Além disso, mesmo com todas suas polêmicas sobre a destruição no filme (feita pelo general Zod, vale ressaltar), Superman de fato salvou o mundo, e se comprovou como herói para as pessoas que acompanharam de perto o desenrolar da invasão kryptoniana. As razões de Zod e sua armada terem, propositalmente querer tirar vidas terráqueas são bem exploradas e explicadas neste vídeo aqui, que comprova que a conversa que “Superman destruiu a cidade toda” é o pior erros que os detratores do filme teimam em insistir, por querer insistir naquilo que dentro da filme está explicitamente obvio.


A polemica, e ainda calorosamente discutida cena em que Superman mata Zod, é o catalisador da trajetória do personagem no filme. Se no começo ele renega a responsabilidade de ser “Deus” e depois disso abraça essa mesma responsabilidade, ele o faz, mas percebe que não está somente preparado para tomar essa decisão de julgar de fato quem deve viver ou morrer, mas ele como Clark Kent finalmente consegue chegar no seu limite. Ele é alguém que procurou a vida inteira ter o direito de salvar vidas, e em sua primeira grande missão como de fato um herói ele é obrigado a tirar uma vida. Ele chega no seu limite físico, moral e psicológico. Ele chega no seu limite físico, moral e psicológico. E mesmo no ponto de vista católico, na comparação direta entre Superman e Jesus, há uma justificativa para a ação cometida, veja o que é escrito de acordo com a United States Catholic Council of Bishops (USCCB - via Lady Geek Girl):

“Na doutrina católica o Estado tem o recurso para impor a pena de morte a criminosos condenados por crimes hediondos, se esta sanção final é o único meio disponível para proteger a sociedade de uma grave ameaça à vida humana. No entanto, esse direito não deve ser exercido quando outras maneiras disponíveis para punir os criminosos e proteger a sociedade que são mais respeitosa da vida humana.”

Zod, naquele ponto, não está ali para conversa, para negociação. Foi tirado sua razão de viver, e ele vai matar todo mundo que ver pela frente em troco. Se deixar Zod matar a família, ele vai trair a promessa de defender a Terra, mas se matar Zod irá, como pessoa, tirar a vida de um individuo pela primeira vez. Por isso que as cenas finais são tão importantes: Clark Kent poderá salvar o mundo e levá-lo a um caminho melhor, mas não como o “Senhor de Tudo”, que mata e deixa morrer sem nenhum peso na consciência ou remorso, mas como um herói, que salva as pessoas e vai procurar a todo custo evitar ter que tirar uma vida. E com isso firmemente decido, ele decide criar outra “mascara”, que permite que finalmente ele possa conviver em sociedade. Sociedade essa que, mesmo a salvando, vai ainda achar coisas para sempre criticar, pois é de sua natureza.

É aí que mora a grande questão do filme, questões essas que alguns não compreendem por irem além das regras dos quadrinhos. E de fato, essa questão não está ligado somente com a estética e temas do diretor assim como uma nova visão sobre tudo aquilo que é feito desde sempre com o personagem: você descobre que é um deus entre humanos, você vai agir de um jeito frio, tratando vidas como se fossem nada, ou você vai querer agir que nem um humano, que mesmo tendo conflitos com seu semelhante, vê-los morrer ainda lhe dói? E os contextos de seu terceiro ato tem múltiplas interpretações que no final se encaixam com o que é o personagem em si, sejam na visão mitológica do acontecimento defendida por Snyder ou pela abordagem realista vista por Goyer, de que quando pessoas com esse nível de poder se enfrentam, há efeitos colaterais, inclusive mortes e destruição.

Zod decidiu ser um deus frio, enquanto Clark percebe que como Clark Kent, personagem do qual ele é 24 horas por dia no filme, com ou sem o colant azul, não pode tomar todas essas decisões sem ser afetado emocionalmente, justificando assim, não somente a existência do Superman, do símbolo, mas também do Clark Kent que vemos no Planeta Diário (uma nova identidade em cima de uma velha já existente): Ações de um Deus, coração de um humano. E nesse momento, em que as posições de quem é herói de quem se tornam claras: Zod é o vilão porque sacrificar vidas alheias, e até a sua própria, não significa nada perante o objetivo. Para Clark, tirar a vida de uma pessoa que seja, mesmo seu inimigo, dói, machuca. No fim, acaba sendo uma vitória para Clark, mas com um gosto amargo, mas isso também ajuda a nos definir como humanos: não temos nunca 100% de controle do destino. E tentar ter tudo sobre seu controle e sofrer com isso é outro tema recorrente do personagem, especialmente nas ultimas 2 décadas.


Clark Kent sempre teve o ímpeto de ajudar as pessoas. É de sua natureza. Ele não procura interferir no ambiente até então, mas sempre há coisas que levam certas pessoas as mostrar seu melhor. E quando ele aos poucos se torna Superman e se expõe ao mundo, a capacidade dessa exposição ao bem se torna maior. Seja quando um pescador salva seu companheiro de trabalho de ser esmagado, ou o simples ato de deixar as divisões criadas pela nossa sociedade e saber que não vai morrer sozinho e sem luta (como na cena em que Perry White e Peter Lombard tentam salvar Jenny) provam que ainda resta sim algo de bom no mundo, e que todos podemos ser heróis de uns aos outros. A questão depois disso é aplicar essa bondade fora dos momentos de perigo.

E ainda assim, dentro do filme temos inúmeros exemplos do comportamento dos personagens que podem ser facilmente interpretados como opções alternativas ao comportamento dos mesmos nos quadrinhos: se Superman não matasse Zod, talvez tivéssemos a terra devastada com todos seus cidadãos mortos, assim como no Superman de John Byrne, o que aconteceria se o jovem Clark Kent fosse contra os conselhos de seu pai e usasse seus poderes contra seus Bullies, como ele faz em ‘Superman: Identidade Secreta’, o Jonathan Kent de ‘Escrito nas Estrelas’ é um bom Ying do Yang que Pa Kent é no filme, por aí vai. Há um conhecimento por parte dos envolvidos com o material original para poder trazê-lo em outras direções que não desrespeitassem o personagem, e fizessem ele evoluir junto com o filme.

O símbolo da Esperança, e do Super Herói, ali foi criado, mas como símbolo ele perdura sendo de fato desafiado, coisa esta que tudo indica que em ‘Batman V Superman: Dawn of Justice’ irá continuar a fazer com o personagem. A “epifania” do desenhista Joe Higgins no texto presente em seu Tumblr é uma ótima leitura sobre o filme, mas para o que estamos discutindo agora destaco essas partes:

“A DC e a Warner passaram décadas tentando encontrar uma maneira do Superman finalmente parecer relevantes no mundo moderno e Snyder e companhia finalmente conseguiram isso. Mas depois de todos esses anos e todos os protestos para mudar o personagem, verifica-se que se você dá às pessoas algo novo, algo espiritualmente idêntico mas esteticamente alterado, eles vão gritar e lamentar e reclamar, porque não é o que eles estão confortáveis. Porque essa coisa nova desafia seus ideais e os seus ídolos. Ele acentua a imaturidade do “ex machina” da maioria das adaptações de quadrinhos se agarraram, que não importa o quão ruim possa ficar, o herói vai salvar o dia e ninguém vai se machucar, exceto os bandidos. “

“O Superman de ‘Man Of Steel ‘ é o super-herói moderno perfeito. Ele não é um brinquedo embrulhado que você tirar da caixa , brinca um pouco com ele e coloca de volta na caixa, sem consequências. Ele é um personagem super-HUMANO. Ele tem poderes incríveis e faz o que pode com o melhor de sua capacidade. Coisas ruins acontecem e vidas são perdidas para que ele tenha sucesso, mas colossalmente menos vidas do que se ele tivesse falhado. “

“Isso é assustador para alguns, ser forçado a acreditar que mesmo o Superman não pode salvar todo mundo. Que talvez para salvar tantas vidas quanto ele pode, ele deve tirar uma vida. Mas é isso que os heróis fazem. Não porque é fácil, mas porque às vezes é absolutamente a única maneira de ter o trabalho feito.”

E digo mais, complementando o que foi dito acima: o Superman de ‘Man of Steel’ é uma reação direta ao boom da popularidade dos filmes de super heróis no começo da década de 2000, que no começo serviram como um filão que se encaixava na abordagem cada vez mais realista dos blockbusters e após isso como veículo de escape da tragédia do 11 de Setembro e de inspiração para superação da mesma. Só, que diferente da abordagem da qual tornou ainda mais popular o Homem Aranha e o consolidou o importante trabalho da Marvel Studios, ‘Man of Steel’ não somente joga a figura desse herói diretamente a situação catalisadora que deu o boom no gênero na mídia da qual a história é contada (no caso, os filmes) e põe em cheque também como a figura do super-herói é tratada no gênero mas também reavalia o próprio papel do Superman como herói moderno.


Assim, o filme ainda tem entre seus inúmeros feitos a capacidade de concluir aquilo que os quadrinhos durante a ultima década tentaram fazer e, apesar de não ter conseguido até um certo momento, foram de importância fundamental para o sucesso de ‘Man of Steel’ neste ponto: de finalmente trazer o personagem para o século XXI. Agora, a partir do filme e dos quadrinhos com os Novos 52, pode-se começar a explorar mais a fundo como este renovado Superman pode fazer em nossos tempos atuais, livre da corrente que de fato virou o Christopher Reeve para o personagem, da visão pesadamente baseada na Era de Prata que ainda mora na cabeça de muitas pessoas, e dos medos e receios de levar o personagem a outros lugares e fazer isso se valer como cânone. Como toda mudança, vem o medo, ódio e a desconfiança, mas algo que aprendemos em ‘Man of Steel’, que um salto de fé pode fazer muitas coisas.

No fim das contas, o filme não somente reverencia o Superman dos quadrinhos, mas pela primeira vez em muito tempo, desafia o status quo do mesmo para que ele se mantenha relevante em nosso tempo. A compaixão, o desejo de ajudar o próximo, o herói que respeita as necessidades menores e mais extremas, está tudo lá. Mesmo que seu mundo no filme seja reflexo direto do nosso, cinzento e duvidoso, o personagem em si é cheio de luz e esperança e demonstra em vários momentos, direta ou indiretamente, também causar esse despertar de bondade dos outros, seja em pequenos ou grandes gestos, sendo assim um símbolo de esperança de fato. E pra mim, isso representa com louvor Superman.


Em ‘Batman V Superman: Dawn of Justice’ vai chegar a hora de colocar novamente Superman em choque com outros heróis e consequentemente outras realidades, não afim de enfraquecê-lo ou diminuí-lo, mas sim para aumentar a sua força. E se em ‘Man of Steel’ foi mostrado (e comprovado por este texto e muitos outros por aí) que este de fato é O Superman que amamos e nos inspiramos e que ele veio pra ficar, nada melhor que reiterar que, como de fato Superman, ele é insubstituível, inalcançável, e finalmente revitalizado em seu papel.

Já falei pra caramba sobre o filme, veja aqui meu review de 'Man of Steel', o que eu achava ano passado que 'Batman Vs Superman' iria trazer e a analise da carreira de Zack Snyder, da qual também fala bastante sobre 'Man of Steel'.

ATUALIZADO: Esse vídeo aqui, ou melhor falando, esta tese, complementa e concorda com várias coisas ditas nesse texto, mas ela foca especialmente nas alegorias visuais do filme que comprovam que a sofrida jornada (e escolhas polêmicas) foram feitas para o bem do personagem, comprovando ainda mais a qualidade cinemática do filme e a ressonância para o cânone do personagem.