terça-feira, 21 de junho de 2016

Revirando o Baú: Superman Returns (2006)


Havia um tempo, a muitas eras atrás, especificadamente após 1987, que os filmes estrelados pelo Superman por mais que tentassem voar das paginas de projeto para um longa metragem de fato nunca dava certo. Sempre havia algo que nunca fazia os projetos irem para frente: Houve a tentativa de colocar Superman na cidade engarrafada de Kandor em 'Superman V' aka 'Superman Reborn', o filme nunca feito por Tim Burton, o radical e lendário 'Superman Lives, e a versão proposta por McG com seu 'Superman: Flyby'. Todos estavam travados na verdade, em um mesmo problema: como seguir em frente, fazendo algo novo, se tudo que é dito e falado sobre Superman aponta para uma unica direção, que são os filmes do Christopher Reeve?

Bryan Singer, depois de ter revolucionado o gênero depois de seus dois filme da franquia 'X-men', chegou querendo assumir o filme do Superman com a unica proposta que ainda não tinha sido feita: em não mexer no time que está ganhando. A proposta do Superman dele era de exatamente utilizar os dois primeiros filmes de Richard Donner (e Richard Lester) como peça central para a construção do seu de fato retorno, afim de que lentamente colocasse outros elementos dos quadrinhos por essa ótica nas sequências. Mas como Singer percebeu ao sair o filme, havia uma questão de que eles, e muitos, não haviam percebido. E na celebração de 10 anos de 'Superman Returns', vamos relembrar o filme, mostrar o porque de sua importância e o que sempre trazermos ele a mesa nos faz lembrar. Continua abaixo.

'Superman Returns' serve de retcon do 'Superman 3' e 'The Quest For Peace', então ele serve para a cronologia como oficialmente o novo 'Superman 3'. Após Superman derrotar General Zod e botar novamente Lex Luthor na cadeia, astrônomos acharam vestígios do antigo planeta Krypton, que poderia indicar que sua população não estava completamente perdida. Tomando a difícil decisão de deixar a Terra para conferir a veracidade dos fatos, Superman parte em uma viagem que o que fez, nas palavras do próprio herói, um cemitério. Não havia nada para que voltar.


E essa viagem toda durou 5 longos anos, em que o mundo mudou e seguiu em frente sem a necessidade de um Superman. Luthor saiu da prisão e graças aos seus trambiques conseguiu uma fortuna, Lois Lane tem um filho e casou-se com Richard White, colega de trabalho e sobrinho de Perry White, e Clark Kent tem que encarar todas essas mudanças quando finalmente volta a Terra, enquanto todos tem que encarar o choque de novamente ter um Superman entre nós. Mas o que não se sabia é que Luthor ainda se lembra da Fortaleza da Solidão, e munido dos cristais de lá embutidos, tem planos bem específicos do que fazer com eles e tirar sua porcentagem de lucro, mesmo que custe a vida de bilhões...

Bryan Singer fez um filme consideravelmente dark em relação ao resto da franquia até então, mas que respeitava e transpôs nas telas com sucesso o tom e os principais elementos que tornaram o primeiro filme do Superman um clássico não só do cinema mas do gênero em si. Trouxe com cuidado e sutileza certos elementos dos quadrinhos para a linguagem dos filmes do Reeve, assim como tornou contemporâneo algumas coisas necessárias dos filmes clássicos, mas mantendo suas raízes e worldbuilding intactas no processo. O que ele fez junto com os roteiristas de X-Men 2 Dan Harris e Michael Dougherty, de fato, o Superman do Christopher Reeve feito em 2006. Alem disso, e valido destacar o maravilhoso trabalho de design e a decupagem do filme, que trazem um cuidado de fazer frames icônicos que não se vê muito hoje em dia seja nos filmes, seja em geral ou de gênero.


Brandon Routh teve o imenso desafio de reinterpretar Christopher Reeve em seu papel mais icônico, e mesmo das suas limitações como ator na época, conseguiu trazer não só o Superman do Reeve as telas como conquistou seu espaço para colocar seu toque naquele personagens nos pequenos momentos, nos gestos, na voz, no jeito em que se comporta em algumas situações. Ele teve um grande peso a carregar e demorou um tempo (e a chegada dele como Ray Palmer/Atom em Arrow) para as pessoas olharem para trás e dar mais credito ao trabalho dele neste filme.


Eu entendo que pela sua idade na época muitos torceram o nariz para a Lois Lane de Kate Bosworth, já que ninguém esperava que uma "mãe" Lois Lane seria alguém com menos de 30 anos, mas tem que se dar o crédito que mesmo assim ela ainda conseguiu fazer uma Lois Lane de respeito, equilibrando o seu trabalho de jornalista como mãe, e ainda se metendo em conflitos e situações que a obrigam a confrontar a verdade que a esconde de todos e especialmente de si mesma que está bem feliz com a volta do Superman, que de fato é o amor de sua vida.


Kevin Spacey é do trio de personagens principais que mais teve de fato influência dos quadrinhos em sua composição. Havia ainda elementos fortes do Gene Heckman ali, mas dava pra perceber algo a mais, uma raiva real do que ele representa não só como antagonista dele, mas como um antagonista do mundo. Ele ainda quer terras, mas reconhece o poder de dominação que a tecnologia, e o poder que ela oferece. E acaba sendo um Luthor mais sujo debaixo da pose de milionário, devido ao seu tempo na prisão. Foi injetado, graças ao roteiro, uma nova vida a Luthor, que estava lentamente saindo de alegoria do Capitalismo na Guerra Fria para algo mais alinhado com o Capitalismo moderno, de criar demanda a algo que não necessariamente precisamos a principio, afim de suprir essa demanda e lucrar em cima.


O filme também tem um elenco de apoio talentoso, que soube explorar quando devia as suas diversas habilidades. Parker Posey e Sam Huntington trazem uma solida fundação como os personagens coadjuvantes e alívios cômicos Kitty Kolowsky e Jimmy Olsen, Frank Lagela trouxe uma nova gravitas a Perry White, James Madsen foi bem melhor aproveitado como Richard White do que como Cyclops (apesar de ainda não ficar com a garota no final). Eva Marie Saint  foi uma boa escolha como Martha Kent, apesar de não ter sido tão explorada como devia (e deixar de fora a aparição de seu vizinho -e atual interesse amoroso- Ben Hubbard (James Karen), citado apenas de nome no primeiro filme, foi a principal oportunidade mal explorada).


'Superman Returns' se trata sobre, obviamente, o retorno do Superman em uma sociedade que não era a mesma de quando ele a deixou, e os questionamentos sobre a necessidade de um herói desses em nossa sociedade. Em paralelo, também se trata sobre Clark Kent encontrar reais motivos para se sentir completo como pessoa, achar seu senso de família perdido após ter feito uma jornada em vão para encontrar o seu "povo". Coloquei entre aspas isso pois isso acentua exatamente a própria alienação do personagem em sua humanidade, palavra essa que vai muito além de genética e local de nascimento.


Os dois primeiros filmes exploravam isso bem: Superman decide quebrar a regra imposta por seu pai Jor-El e reverter o tempo para salvar Lois por amor, e por amor ele abdica seus poderes, mesmo se mostrando uma decisão de péssimo timing na época. Clark Kent aqui, é retirado de tudo que lhe é familiar, obrigado a encarar um novo mundo e ver onde se encaixa, e novamente usa o Superman como instrumento para tal fim. A surpresa para ele fica em ver que, mesmo que a distancia fizesse as pessoas esquecerem dele por um momento, não significa que ele seja irrelevante, e não tenha seu próprio senso de comunidade e família.


O mundo continua a querer ele como herói, seus amigos e amores continuam se importando com ele, mas o fator que realmente o faz sentir-se completo são dois: o fato de se sentir realizado novamente em ser Superman e sentir a gratidão do mundo, e especialmente seu filho Jason (Tristan Lake Leabu), ideia original do Bryan Singer no filme, e grata interpretação por tratar uma criança como criança e não um adulto em miniatura. O fato de descobrir que é pai faz ele pela primeira vez se sentir um humano, no sentido que tem alguém ali que vai dar continuidade pelo sangue e pelas ideias de quem ele é como individuo.


Tendo aí de fato reconstruído a Casa dos El, é percebido que até mesmo o Homem de Aço as vezes não dá o valor justo por aquilo que tem ao seu redor como Clark Kent, porque ser Superman acaba sendo uma tarefa messiânica e que tem que colocar todos os humanos em pé de igualdade. Há uma sensação no final de que Superman aqui acaba sendo a verdadeira identidade predominante, e que ele está feliz com isso, coisa que acaba pegando muito da vibe pré-Crise do personagem em que começa a se questionar o seu pape no mundo enquanto ele fica praticamente um deus invencível, especialmente na época entre 1975 e 1985, e que em as sementes dessa conclusão exatamente nos dois primeiros filmes do Christopher Reeve. Clark Kent acaba sendo a máscara, enquanto no Superman de Zack Snyder, Superman é a máscara.


E com tudo isso dito e mostrado, a grande pergunta que fica é: se esse é teoricamente não só o tipo de Superman que queríamos ver mas também como é, na visão de muitos, o jeito certo, o que deu errado? Porque o filme não foi o sucesso esperado, gerando sequências e quem sabe o inicio de um universo DC cinematográfico ainda naquela época? O problema é que, por melhor que o filme seja, ele escancarou um enorme problema que até hoje aparece entre os fãs do Superman: de achar que o Christopher Reeve é maior que o personagem, e com isso, do Reeve acabar por se transformar numa corrente que não deixa o personagem ir pra frente. Quebrou o conto de fadas sobre não ter nada errado com o Superman e com o fato de estreitarem a visão dele a uma unica coisa, e como isso afetou negativamente o personagem e a forma de como ele é recebido.


Se 'Returns' fosse de fato o 'Superman 3' original, seria considerado uma trilogia clássica de filmes impecáveis, mas quando lançado, reclamaram sobre a falta de ação mais "moderna", sobre o romance, sobre o filho, de exatamente ficar acorrentado demais aos filmes clássicos. E para você ver o quão problemático é a visão das pessoas sobre isso, quando 'Man of Steel' saiu trazendo as soluções a esses problemas e muito mais, reclamaram, entre outros absurdos, exatamente por "não ser como o Superman do Reeve". O bom do fracasso dele de bilheteria e de certo modo a apatia da maior parte do publico não presa a nostalgia dos filmes antigos é que eles nos obrigaram a pensar sobre o personagem e sobre o que ele precisa ser e questionar para recuperar seu lugar de devido direito como o ícone que é.


Já tinha comentado sobre este fato antes quando falado dos mais importantes filmes da DC na década passada, e sua colocação em primeiro lugar não é gratuita. Ela não só questiona o papel e interpretação do Superman nos filmes, mas também em sua mídia mãe, que são os quadrinhos. As melhores histórias do Superman de 2006 em diante são aquelas que exatamente questionam o papel do personagem, seu status quo.Ainda sim há dificuldade e resistência de enxergar o personagem sobre diferentes óticas, mas a reação ao que foi 'Superman Returns' ajudou a galgar um movimento que finamente trouxe o personagem de fato para o século XXI, começado nesse filme, explorado nos quadrinhos em diferentes formas (boas e ruins) e consolidado em 'Man of Steel'. 

Muitos renegam 'Returns', mas esse é um filme que mantém a qualidade dos clássicos e como um produto feito por fãs, dá um emocional, agradecido e digno encerramento a trajetória do Superman feita por Christopher Reeve, e mesmo que a principio com sua recepção mais puxada para a negativa, ajudou a finamente botar o personagem de volta aos trilhos. Superman vai sempre estar por aí. Só que como qualquer personagem que ainda se mantém na ativa após quase um século não pode se manter preso a uma só imagem ou interpretação. Mas se for pra dizer adeus, que diga com qualidade, e felizmente isso foi feito.

NOTA: 8.0