Bem, finalmente 'Batman V Superman: Dawn of Justice' foi lançado nos cinemas, e a reação, por incrível que pareça, foi de maneira igual, porém de proporções bem mais exageradas, se comparada a 'Man of Steel'. E claro, isso novamente gera de uma reação que, em sua maioria, não atendeu ou não se abriu ao fato que essa é uma nova versão do personagem, que abre todo um novo leque de interpretações e pensamentos afim de que se evolua (ou no caso, continue evoluindo) o mesmo. Então, se em 'Man of Steel' temos um Superman lidando com uma jornada de auto-descoberta, enquanto suas ações, seja em pequena ou grande escala, fazem que as pessoas mostrem o melhor delas. Mas uma coisa é atingir um pequeno contingente de pessoas, outra coisa é se expor ao mundo inteiro, do qual as reações vão vir de maneira BEM mais agressiva. Esse editorial procurar analisar a jornada do personagem, no ponto de vista com dentro e fora dos quadrinhos, para que possa ajudar as pessoas entenderem o que foi feito naquilo, que mesmo com um Batman e Mulher Maravilha, ainda sim é um filme sobre o Superman. Continua abaixo:
"O Filho se torna o Pai, e o Pai se torna o Filho"
Vemos Superman neste filme, sendo, bem, um herói, mas que tipo de herói é bem importante definir. Em 'Man of Steel', Clark se tornou um herói por uma escolha até então imposta e depois mantida, vinda de algo que esteve sempre enraizada nele: de que ele é uma boa pessoa, e com os poderes que tem, ele deve ajudar essas pessoas. Vemos que Clark também foi criado, de certo modo, em uma "cultura de medo". Ao mesmo tempo que os Kent queriam que ele tivesse as melhores escolhas de vida possíveis, sempre houve uma preocupação e um receio de que algum desvio no caminho pudesse levar seu filho a ser uma má pessoa, e com isso a utilizar seus poderes para o mal.
Alias, é a preocupação normal de qualquer pai querer que se filho se torne a melhor pessoa possível, mas como humanos, temos inclinações para caminhar nos dois lados. Mas a conversa de "você é especial, e merece ser alguém especial", nesse caso, é muito válida, e de uma educação "extrema" para que Clark fosse e entendesse sobre a importância de ser bom, também teve exemplos extremos (como o sacrifico de Jonathan Kent) que o levaram a questionar e (re)pensar suas escolhas, como humano que de fato ele se sente.
Chegando a esse ponto, percebemos que 'Man of Steel' é sobre escolher a pessoa que você quer ser, enquanto 'Batman v Superman' lida com as consequências sobre a pessoa que você escolheu ser. E a partir desse fato, vemos que as ações de seu pai de criação volta a se repetir aqui. Superman decide proteger a terra, tentando fazer suas ações falarem por si, sendo a mão amiga em desastres e impedindo maios catástrofes acontecerem, tentando evitar em problemas que possam ocasionar em crises políticas maiores. Mas isso, as vezes leva a escolhas de cunho pessoal. Salvar Lois e levá-la a um lugar seguro é uma escolha dessas, mas as consequências é deixar a vila onde ela estava desprotegida dos ataques da ditadura local. Não se pode salvar todo mundo, pois só Deus é onipresente e onisciente (chegaremos depois nessa questão). E a pergunta que a própria Lois faz depois que é salva é: "como você pode me amar e continuar a ser você?"
Particularmente, sempre vi que Pa Kent sempre quis que seu filho tivesse a opção de escolher o que ele quis ser, mas sempre esteve claro para ele e para Martha que ele estava destinado a coisas maiores que uma fazenda. O conflito principal de Jonathan Kent é o medo dele, como pai, de que seu filho não esteja preparado para seja o que for o que escolher fazer de sua vida com as capacidades que tem. Clark salvou as crianças de se afogarem do ônibus, mas ele deveria ter feito isso? E se deixasse todos morrerem, isso valeria a pena para manter o seu segredo? Ao fazer isso ainda jovem, ainda cheio de duvidas e receios, Clark reafirma o seu proposito, ao mesmo tempo que entra no embate de tentar conviver com os outros guardando segredos. A lição que fica desde cedo para Clark é que não é apenas agir, mas aguentar as consequências do mesmo. Então Jonathan sempre tenta tirar a melhor mensagem das situações, mas chega a momentos extremos que você tem que fazer uma escolha. E pra provar seu ponto, Jonathan foi a extremos de se sacrificar para que seu filho não revelasse seus poderes em publico.
Naquele ponto Clark, mesmo entrando na vida adulta, ainda não estava pronto para entender e fazer uma escolha válida em sua vida com os poderes que tem. Zombava da vida que levava e de ficar preso tanto tempo, querendo conhecer o mundo, mas não para achar a si mesmo. Anos depois, vemos Clark, adulto, passar pelo mesmo dilema que Jonathan encarava com o jovem Clark, mas com uma diferença crucial: não lhe foi dada oportunidade de falar. Como a Senadora Finch diz, se em uma democracia, as coisas são resolvidas numa conversa, rapidamente isso é jogado por terra quando quando ela diz que o "diálogo" com Superman é uma "decisão unilateral" tanto quanto suas ações. Deixa a impressão que fazer o que eu faço não vale de nada, especialmente quando certas situações escalam do simples ao complicado. Jonathan, por um lado, lidava com algo "simples" por comparação. Clark, como adulto, encara as consequências de suas ações em escala global.
Essa versão do Superman não procura se expor publicamente, dando entrevistas e contando sobre sua vida. Ele está ali para ajudar, e não para servir, e pelo exemplo, esperava-se que outros começassem a fazer o mesmo. Mas o mundo o conhece em uma de suas horas mais negras, quando um ataque terrorista interplanetário destrói o centro de Metropolis. Se muitos os vêem como o salvador daquela situação, há já o preconceito enraizado de "alguma hora ele vai acabar que nem eles." É o poder das palavras sobrepujando o poder das ações, o que de fato acaba sendo uma ironia: se antes o filho tinha dificuldades de entender o pai por meio de suas palavras, as ações demonstravam muito bem seu ponto. Já adulto, ele entende o ponto de vista do pai, de suas ações falarem por si, e mesmo assim não ter voz de resposta no diálogo, especialmente quando a sua impopularidade sua cresce.
Algumas ações, por mais boas que sejam, pode gerar resultados indiretos ruins. Mas no fim das contas, na nossa condição de humanos, somos falhos em tentar concertar todos os problemas do mundo. O que precisamos é ter alguém que nos coloque nos eixos e que nos faça ter a certeza que as escolhas que fazemos, no fim das contas, nos mostrem que vale a pena investir em fazer o bem e seguir em frente com isso, mesmo com algumas pedras no caminho nos desanimem. Clark sempre teve o amor pela humanidade, e isso é o que move a ser Superman, mas precisa de Lois e de Martha pra as vezes ponderar sobre questões que mesmo seus super-poderosos ombros não conseguem carregar sozinhos. Elas são figuras que dão apoio ao as ações de Clark quando ninguém parece mais dar.
E aí mora a importância da cena em que Clark encontra o "fantasma" do pai: mostra que no fim das contas, o objetivo do pai e filho era mutuo, e por mais tortuosa que seja a estrada para essa realização, por causa da natureza super protetora de Jonathan e dos eventuais conflitos entre pai e filho, ela se concretizou. Clark não precisava de alguém para responder suas duvidas naquele momento, pois teve alguém que teve a vida toda ensinando essa lição. Aquele momento todo, é de auto reflexão, de maneira oposta de como isso ocorre com Bruce no filme, mas que especificam bem os personagens e seu combustível para fazer o bem: Clark precisa de motivação para se sentir esperançoso e entregar essa esperança em troca, enquanto Bruce precisa constantemente alimentar seus medos para se lembrar, e se sentir confortável, em combater o crime. A solução que fez Jonathan seguir em frente, foi Martha, o seu "mundo", e seguir em frente agindo da maneira que considerava melhor porque sabia que, nos momentos bons e ruins, teria alguém para lhe lembrar porque vale a pena continuar e acreditar em si.
E isso é claramente mostrado no final do confronto com Doomsday é "[...] onde ele finalmente percebe o que Jonathan significava, reconhecendo que Lois tornou-se o que sua mãe tinha sido para seu pai. Para ele, como Jonathan, o novo senso de propósito é imediatamente claro, mesmo com a trilha sonora do filme conduzindo o repouso do ponto. Realmente não deve ser subestimado: este é um dos, se não o momento mais humano imaginável para o personagem, com Clark mortal, lesionado, e não realmente pensando em ser um herói ou de compreender seus deveres para com a humanidade. Ele é apenas um homem que encontrou uma mulher para amar, como seu pai antes dele, que havia se tornado "o seu mundo".Tendo finalmente feito o caminho de um homem - não um Superman, ou estrangeiro, ou qualquer outra coisa - e ter experimentado a dor e o medo que, de acordo com Batman, eram as únicas coisas que faz a bravura ser possível, ele abriu um sorriso, beijou Lois em adeus, e voou em direção a sua morte." (Screenrant)
E em sua morte, assim como na morte de Jonathan Kent, houve uma reavaliação das lições dele em vida, e uma busca para a partir de agora aplicá-las para sermos pessoas melhores por parte de quem sobreviveu. E isso casa com um velho tema do Snyder como diretor, que o sacrifício define o herói. É como a frase que Marlon Brando (e Brandon Routh) tinha dito antes, que se alinha com aquilo que é o cenário de todos os filmes de Zack Snyder: decisões grandiosas e consequências reais em um mundo surreal. O sacrifício, assim como a critica ao longo da jornada, nunca é em vão. A vida é de fato um eterno aprendizado, tanto para quem ensina quanto pra quem aprende.
"Não falei que o Superman é real, eu disse que Deus é real"
Esta frase acima, é tirada de Watchmen, que também é outra adaptação feita por Zack Snyder, quando se fala do Dr Manhatthan, personagem de poderes ilimitados que é tipo também como uma quase figura divina em sua história. Mas não citei Watchmen aqui para servir de paralelo aos eventos desse filme, mas essa frase é o ponto de partida que revela de fato quem é o grande vilão do filme. Não é o Batman, nem o Lex Luthor. Somos todos nós, Luthor e Batman inclusos, e a imagem que refletimos sobre quem queremos que o Superman seja.
O filme todo gira ao redor da opinião publica divida sobre o Superman, e suas ações no mundo. Como já falamos antes, o ponto de partida no masterplan de Lex Luthor é exatamente uma pequena aldeia da Africa ter sido massacrada por ditadores locais logo após Superman impedir que Lois Lane morresse. mesmo sabendo que o catalizador desse evento foi uma emboscada planejada pelos capangas de Luthor (entre eles KGBeast), nem os moradores da aldeia, nem o mundo sabe. Só sabem que Superman preferiu salvar uma pessoa do que proteger uma vila inteira. E isso é só mais uma das muitas reclamações sobre os atos dele ali, de ambos os lados. Há discussões sobre botarmos regras nele ou não, o que sua presença faz de nós humanos, afetando as visões religiosa e geopolítica. E é irônico pensar que, dentro do filme, isso parte de algo simples e canônico nas histórias, de Superman salvar a Lois. Vimos isso acontecer em 'Superman 2', mas o filme não se prende a ramificações políticas do mesmo, pois na época não se pensava e não interessava em ver o personagem por essa ótica.
E o lado político pesa muito dentro do filme, e é até então a primeira grande barreira imposta ao Superman. A Senadora Finch (Holly Hunter) não é exatamente uma antagonista no sentido de "vilã", é mais como uma intermediadora do governo. Ela não o vê como uma ameaça, o que ela procura é, dentro dos poderes que ela tem, fazer que ele se responda ao governo daquele que diz ser seu país de criação, pois ela, representada pelo governo, o vê como um soldado, fato este confirmado em seu funeral em Washington. E como todo soldado que age por si, o governo precisa que ele lhe dê respostas de seus atos. E diferentemente de Lex Luthor, ela não pode permitir que alguém crie algo que tire a vida de um de nossos (considerado) soldados. Isso impõe uma contradição interessante ao papel do Superman em 'The Dark Knight Returns', mas haverá uma outra hora onde irei explorar essas (e muitas outras) conexões entre essas duas histórias.
Vemos esse conflito entre herói/deus/soldado na montagem em que é mostrado vários resgates feito pelo Superman intercalado com uma série de entrevistas. vemos imagens evocativas de figuras divinas,como carregar a cruz/navio e pedir ajuda e salvação ao deus-sol, sol este do qual Superman está cuidadosamente posicionado sobre. E curiosamente, temos um callback a 'Man of Steel', onde vemos pessoas pintadas de caveira o "enterrando" em salvas e agradecimentos. Se as caveiras antes o enterravam no pesadelo que ele tinha medo em não conseguir evitar que acontecesse, agora essa mesma imagem mostra de fato exatamente o peso da que a humanidade joga sobre ele com sua visão divina.
Mas no conflito direto do filme, Lex Luthor e Batman demonstram realmente essa visão sobre ele que se torna o verdadeiro antagonista, de maneira muito mais agressiva. São dois personagens que sofreram grandes traumas na infância, e não teve nenhum Superman para salvá-los. E isso os moldou como os adultos que se tornaram. Um acha que o o mundo só faz sentido se você implantar o mesmo sentido a força, enquanto o outro se constrói como absoluto, pois reconhece que o potencial humano pode atingir o máximo do poder, e ele é alcançado abraçando exatamente as imperfeições humanas. Alguém perfeito e absolutamente bom é um paradoxo que deve ser não somente eliminado, mas provado errado. Como bem disse o Nerdnest: "se ninguém, nem mesmo deus, pode ser totalmente bom, deveríamos pegar esse poder para si?"
E nesse momento, vemos que, como Watchmen, a relação entre os humanos e a "divindade "se trata, no fundo, sobre poder. Ao poder que é dado ao outro, a confiança que lhe é dada ao individuo de como usá-la (se tiver essa confiança em primeiro lugar), e como, ou se podemos utilizar esse poder a nosso favor. No caso do Superman, temos alguém que está constantemente tentando convencer as pessoas que ele é merecedor de possuir isso pelas ações que toma, que é exatamente usar isso para ajudar as pessoas, mesmo que certas auto-imposições acabaram sendo quebradas quando seu lado humano fala mais alto. Mas é sobre isso no fim das contas não? Superman não é deus, não é onisciente e onipresente, mas tenta, com os poderes que tem e como a pessoa que é, ser e agir como o melhor que pode. Então, todo o repúdio e pressão colocadas sobre o Superman mostra seu real papel no filme, como diz Mark Hughes a Forbes: "[...] essas coisas são todas destinadas a criticar Superman e o que ele representa. O truque é, você deveria perceber que eles estão todos errados, porque esse é o ponto real do filme - zombar e criticar o Superman está errado."
"Superman se mantém em um contraste gritante com o mundo cínico que vive. Ele quer ser um símbolo de esperança, ele quer usar seus poderes para o bem, ele quer inspirar-nos a superar nosso ceticismo e aprender a ter fé novamente, para acreditar que haverá bons dias em nosso futuro. Então ele levanta todos os dias e vai para nos salvar, para nos redimir por si próprio, mesmo quando dizemos-lhe para parar e ir para casa. Superman é idealista, e Batman v Superman demonstra isso toda hora."
Ele foi criado para ser um bom indivíduo, e na hora certa, a sua criação como pessoa o guiaria no caminho que escolheu. Mas o caminho dos bons é tortuoso, e é de se esperar que, nos dias de hoje, haja desafios que tente impedir isso. E vivemos num momento, que nós, como sociedade, temos a tendência de levar discussões sobre alguma coisa a extremos, tentando provar nossas opiniões no berro além de sentar e analisar de fato a respeito, fruto isso da ignorância e medo do futuro, especialmente quando de certo modo estamos dando uma autorização ao outro de afetar as nossas vidas. Como fala Dave Shreve, sobre a cena do capitólio:
"[...] mas, para ele (Superman), (o atentado) não é tanto um princípio ou credo, pois é uma declaração do problema. Ele é desanimado não por obrigação, mas na realização de sua posição fictícia em uma paisagem moral não-ficcional. É quase como se ele estivesse ciente que ele foi removido do mundo dos quadrinhos de certeza moral, sua casa fictícia à oito décadas, e colocado em um mundo que faz com que sua existência conceitualmente impossível. Superman, em Dawn of Justice, não é relutante em ser um herói, ele só existe no purgatório dos super heróis que é de 2016. "
Mas então, como Superman consegue se sobressair a essa, até então, insuperável situação? Vamos chegar lá em breve.
Liderança pelo exemplo
A palavra chave para a jornada de Clark Kent para se tornar de fato Superman em 'Man of Steel' são duas: escolha e limites. Clark procura descobrir de onde veio para tomar, de fato uma decisão em sua vida, e as circunstâncias forçaram a ele virar o herói, papel este que acabou aceitando em sua vida. Se ele tinha limites durante a infância do que poderia fazer, quando adulto esses mesmos limites são impostos em seu grande desafio de salvar a terra. Sabemos que matar é ruim, mas mesmo assim, devido ao limite que Zod impôs sobre ele, Clark acabou o matando. Mas importante frisar, essa não é uma escolha primária feita da parte dele, ela é forçada pelas ações do outro. Zod teve muito mais controle (e culpa) das ações do terceiro ato de 'Man of Steel' do que Clark. Mantenha isso em mente, pois é importante.
Cortamos para dois anos depois, onde a primeira vez que vemos Superman, é em uma situação que ele é manipulado a estar lá, afinal, Lois se meteu em perigo enquanto entrevistava o senhor das armas local, e logo após os capangas de Luthor chacinarem a todos, Superman vem ao resgate de sua amada. Mas não sabemos, a principio, que KGBeast e seus asseclas estavam lá a mando de Luthor. E Superman sair do local e deixar as defesas baixas para que a ditadura local chacinasse a todos foi uma atitude, de fato, errada. Superman poderia ter derrubado o traficante ou a ditadura que se mantém na região facilmente? Sim. Mas vemos depois que Superman não interfere nesse tipo de conflito exatamente pelas complicações politicas que isso gera.
E complicações politicas são o que de fato acontecem, com a Senadora Finch abrindo uma comissão para regular as ações do Superman no país e no mundo. E vemos que as ações em que ele ajuda os outros, salvando de desastres ou impedindo que os mesmo aconteçam, não são o suficiente. Interessante a cena que mostra o apartamento de Wallace Keefe (Scott McNairy), e que os recortes de jornais mostram que não só se resumem a desastres naturais ou acidentes humanos de grandes escala, mas também questões mais mundanas como assaltos, por exemplo. Mesmo que acabe sendo um grande easter egg de ações dos filmes anteriores do personagem, mostram que, em sua essência, ele ainda é o mesmo personagem das revistas, e que defende as mesmas coisas.
Seu antagonismo com o Batman é por levar a ideia de justiça a extremos, sem pensar nas consequências, e mesmo quando intervem, é em forma de aviso, sem necessariamente procurando conflito direto. Ele procura tentar fazer os jornais denunciarem, mas estão preocupados com outras coisas que consideram mais importantes, tanto para eles quanto empresa quanto para o publico que o lê. Quem não ia se importar com um vigilante torturando bandidos e oprimindo cidadãos no processo? Ele tenta pressionar Perry a aceitar a pauta, mas ele nega veemente, pois na sua posição como editor, não acha que isso vende jornais.
O que Clark está fazendo é bom, é justo, mas mesmo assim ainda é criticado, julgado, e pior, desprovido de uma explicação de sua parte. As ações parecem não fazer valer o que ele busca, e por mais que ele tente apertar nessa tecla, a pressão publica é demais. Como foi dito antes, as pessoas projetam a imagem dele de várias formas, apesar dele mesmo não se projetar desse jeito. Mas ele, como repórter, entende que a recepção do publico é imprevisível, por mais que você planeje demonstrar algo de bom para eles. Mas o que o repórter compreende, o indivíduo tem dificuldades em lidar. Mas é a vida que ele abraçou para si, e tenta, tando como jornalista e herói, fazer seu ponto valer. Como diria o profeta, a mensagem que Superman passa é "gentileza gera gentileza". Não é só ser bom, mas repassar o bem a outros. Voltaremos a isso também mais a frente.
Então acontece a cena do Capitólio, onde Superman supostamente deveria responder sobre suas ações. Mas aí, descobre-se que o dialogo só iria ocorrer de um lado, com os julgamentos e imposições do estado sobre o herói, e logo após a intervenção de Luthor estragar os planos de Superman e de Finch, explodindo o local e causando inúmeras mortes. Superman não vê que o incidente em Washington era iminente pois, em suas palavras, não estava procurando por isso, pois acreditava nas pessoas e que a bondade que ele compartilhava iria fazer o mundo dar este mesmo voto de confiança de volta. O salto de fé ali não se pagou. Ele contava que, mesmo com duvidas e receios, a humanidade ainda era boa, que haveria espaço pra diálogo, seja qual for. Mas não era o caso. E quando a bomba explode, o simbolo é naquele momento quebrado pela vontade alheia. E para alguém que lutou tanto pelo direito de escolher por si, viu seu destino novamente ser prendido a essa mesma vontade alheia. Naquele momento, tudo que ele fez pareceu que não adiantava, e tudo aquilo construído naqueles dois anos é destruído.
E então, para surpresa de todos, Jonathan Kent volta como um "fantasma introspectivo". Sabemos que Clark está sozinho, mas as histórias, as lições, a memória do pai, ainda estão vivas na cabeça dele. Há um grande erro de interpretação sobre o que foi dito daquela cena por parte de muitos, mas eles não poderiam estar mais enganados. Obviamente Jonathan não queria que a fazenda vizinha fosse alagada, mas a ação que ele tomou foi de salvar a sua, porque essa era a sua prioridade. Vimos como isso afeta o Superman como pessoa, mas isso demonstra algo bem claro ao ponto de vista sobre a mensagem que o personagem quer passar: controlamos nossas ações, e por consequência nosso destino, mas algo mais difícil é tentar controlar o destino de todos. Haverá momentos de falha, mas o sentido é nunca parar de tentar fazer o bem, e ter alguém que nos faça lembrar isso.
E aí voltamos ao tema da escolha. Clark decide voltar a sua amada, mas acaba no processo entrando no jogo de Luthor. Ao confrontar Batman, ele não procura se corromper e exatamente matá-lo como Luthor queria que fosse feito. Em paralelo, o que ele fez com Zod foi uma necessidade do momento não imposta por ele. Ele entra na briga, não para matar o Batman e a principio tentando estabelecer um diálogo, mas também há limites para tudo, até para se oferecer a outra face. Ele tem consciência se quisesse Batman morto, ele faria. Mas não é sobre isso que ele está ali. Sim, ele é um Clark que conheceu as maldades do mundo, mas como foi muito bem mostrado em 'Man of Steel', a presença e seus atos ali influenciam aqueles ao redor a tentarem ser melhores. Tudo que ele faz a partir da ameaça de Luthor, é para tentar comprovar que as pessoas ainda são boas, mesmo que a principio pareça que ninguém permanece bom para sempre.
Mesmo que ele morra, ele coloca a preocupação com a mãe em primeiro lugar. E no momento que diz Martha, isso começa a se pagar, quando Batman percebe o quão grande é o erro que ele comete. Mas como isso afeta o Batman vai ser explicado mais a fundo em outro texto. E no caso de Clark, isso cementa a decisão que ele faz no final. Doomsday, a personificação de todo ódio e todas as falhas de Superman, sai da sua tumba para causar destruição. Quando ele pega a lança, sabia que ia morrer, mas fez com a certeza de que ele entrou nesse caminho por isso. Para salvar as pessoas que ama e o planeta que o acolheu, mesmo o julgando mal, valia a pena se sacrificar, pois era um ato de amor. E para demonstrar esse ato de amor foi escolhido um ato extremo, mas consciente, de que a decisão era dele, e que não iria deixar o outro subjugar sua vontade sobre isso.
E aí, não só descobrimos o limite da pessoa física, mas que o simbolo que ele construiu é ilimitado. Vemos que um antes um Superman despreparado e em formação teve real iluminação de sua missão, e a fez valer. Vemos que, como outros exemplos anteriores na humanidade, só não tocamos da importância de certas figuras quando as perdemos. E seu sacrifício, nos uniu como indivíduos pela tragédia. Se antes, víamos Superman como nossa ligação a Deus, e projetamos nossos desejos e frustrações com o mesmo a ele, agora o mantemos no chão, assim como os nossos metafóricos pés em relação ao que ele foi em vida e o que ele nos queria dizer. "Quer ver o seu monumento? Olhe ao redor." E pra isso e por isso que temos que nos unir: por amor ao próximo. Para utilizar o poder que temos, seja muito ou pouco, para fazer de nós todos heróis. Mas todos realmente entenderam a intenção do ato? Seremos melhores por causa disso daqui para frente? Não se sabe. Mas se sabe que isso afetou as pessoas certas, afinal a Liga da Justiça está vindo aí...
"I see the end"
Essa é uma frase de Lex Luthor dita na revista de mesmo nome escrita por Brian Azzarello e desenhada por Lee Bermejo. Ele diz isso a Superman, explicando todo seu ódio e rancor em relação a um calado Superman. Ele explica que vê Superman como um objetivo inalcançável, e que toda a humanidade está ameaçada por sua existência, pois ele enxerga na humanidade um potencial ilimitado, mas também percebe que a escada até a perfeição não é uma trilha para os inocentes. Ele reconhece que tanto quanto nossa capacidade para o bem, mas nossa capacidade para o mal, pode nos levar ao topo. Mas o que acontece quando você chega lá e encontra um ser perfeito E absolutamente bom?
Essa é a questão apresentada pelo Lex Luthor de Jesse Eisenberg. Vemos aqui que ele se manteve alinhado com sua contraparte dos quadrinhos, mas passando por algumas atualizações e acréscimos a sua personalidade. Vemos no filme as mesmas qualidades dos quadrinhos a mostra: temos o egocentrismo do personagem, assim como a demonstração e a imposição de poder. Temos o lado "cientista maluco" da Era da Prata e do bilionário maligno após a primeira Crise, que juntos refletem bastante o atual Lex Luthor dos Novos 52 e adiante. Mas além disso, tem coisas inseridas a parte: o fato dele ser um "millennial", a psicopatia e a apatia.
A atualização dele para o perfil de um dos jovens mais ricos do mundo não foi de graça, comentado por mim anos atrás quando Jesse foi contratado ao papel. pessoas na faixa dos 30 anos tem ficado bilionárias graças a ações na internet e outras inovações tecnológicas, e como os virais do filme deixaram bem claros, a mudança de perfil logo após que Lex Luthor Sênior morreu, de acordo com a Fortune, que "transformou uma petroquímica envelhecida e com uma maquinaria jurássica pesada em uma queridinha tecnologica".
E o fato dele pertencer a uma geração "millennial" demonstra também alguns trejeitos de sua personalidade, como por exemplo traços de confiança e tolerância, mas também um senso de direito e do narcisismo (Generation Me, Jean Twenge). Além disso, traços da personalidade deles estão entrelaçados a condição social, normalmente ligado a homens brancos, classe média alta/ricos, que tem o capital financeiro essencial para fazer seus filhos atingirem o potencial de ser "especiais" de fato (Fred Bonner, Diverse Millennial Students in College: Implications for Faculty and Student Affairs). Obviamente nem tudo que se classifica os "millennials" se adéqua a essa versão do Lex Luthor, mas tem elementos claros dessa geração que se estão bem presentes no personagem e que o molda.
A questão da psicopatia, acho que é o ponto mais divisível entre os fãs, e a principal adição de Snyder ao personagem. mas vendo muitas das ações de Luthor nos quadrinhos, ao longo dos anos, fica difícil não atrelar esse conceito a ele, só que no filme foi feito de maneira muito mais explicita. E de sua psicopatia que o leva a um tema recorrente nos filmes de Snyder: a apatia. Mas se antes a apatia era relacionada a como as pessoas lidavam em negação alguma situação, Lex se torna uma personificação física da mesma, e sua apatia tem que ser constantemente combatida dentro do filme. Outra reclamação de alguns é que ele acabou parecendo muito o Coringa do Ledger, especialmente em relação ao humor, o que é errado tanto em comparação aos personagens e a atuação de seus atores. O humor de Luthor aqui, é utilizado para ofender, irritar, enquanto a base do humor do Coringa, seja qual versão, é de exatamente corromper algo puro e engraçado em algo trágico e assustador.
E o Lex, como comentei em meu review, é instável demais para se conviver em sociedade, mas ele esconde isso muito bem, porque é extremamente inteligente. Como o Nerdifi explica: "Uma criatura socialmente estranha e incorreta, convencido de que ele é um magnata encantador. Ele é dinheiro velho reciclado como um empreendedor. Quando ele tem que improvisar, se enrola, e deixa a verdadeira face a mostra. A cena em que ele discursa no evento em sua homenagem mostra bem isso: sua mente e sua boca funcionam em níveis diferentes." Já o Coringa, especialmente do Ledger, abraça o que ele realmente é, e se diverte com isso. O Coringa do Ledger é um agente do caos procurando proporcionar exatamente isso a cidade, enquanto Luthor utiliza de todos os seus recursos para, basicamente, derrubar e destruir a imagem aquele que ele, e muitos, consideram Deus.
Além disso, mostra que Lex prefere que os outros sujem as mãos por ele (mas mesmo assim, como foi visto por Lois, se for necessário ele fazer com suas próprias mãos, ele faz), enquanto toda a versão do Coringa sempre o define como alguém que sem,pre põe a mão na massa. Além disso, se o Coringa é mais direto em sua abordagem, Lex "obscurece o significado [de suas palavras] e intenções com duplo sentido, jogo de palavras , sarcasmo, ironia, etc , mas na maioria das vezes ele ou está dizendo a verdade ou suas intenções podem ser descobertos no que ele está dizendo." (MOS Answers) Comparar os dois não é só errado por esses motivos, mas também mostra que, para muitos, não houve a real compreensão sobre o que foi o Coringa do Ledger, ou o Coringa em si, e o Luthor do Jesse. São dois psicopatas sim, mas com trejeitos e objetivos completamente diferentes.
Mas algo que a versão do filme se alinha bem com a versão do Lex Luthor dos quadrinhos são a razão do antagonismo dele com o Superman. Como vimos no primeiro tópico de discussão, Luthor foi ensinado que, se você não estiver no poder e fazer o que tiver que fazer para alcançar e manter isso, não vale a pena viver. Luthor acredita que o ser humano possa ser absoluto, e em especial, quem tem o dever se ser absoluto é ele. Por isso ele mata, manipula e comanda sem ter remorso, pois tudo é valido para colocar ele na posição que, em seu ponto de vista, nasceu para ser. Se, como comentado no primeiro tópico, "o filho se torna o pai" e vice versa, aqui acontece a mesma coisa com Luthor, com um twist macabro.
Os virais dão a entender claramente que Lex matou sei pai e tomou a empresa para si, e como dito acima, ainda ostenta a imagem do pai de "magnata encantador", enquanto a verdade é muito mais suja que se apresenta. Tudo que é é nesse filme é ser o reverso do que o Superman é. Se Superman é humilde perante a humanidade, Lex se vi acima dela. Se Superman luta diariamente para salvar vidas, Lex as vê como descartáveis para atingir seu propósito. Se Superman procura concertar erros para um fantasma, Lex tenta manter a imagem do fantasma como escudo para encobrir seus planos. Essa dualidade é confirmada pelos próprios temas do personagem, com a canção de Lex sendo uma versão distorcida e reversa a do Superman.
Além disso, não é só sobre derrubar um Deus, mas derrotar a imagem daquilo que refletimos no Superman, e da culpa que colocamos nele por não existir antes quando precisávamos. E a própria presença do Superman é uma afronta ao pensamentos e crenças de Luthor, pois como assim todo poder foi dado a um ser totalmente bom? Ele não é merecedor disso, pois não tem a coragem de fazer o que tem que fazer, por mais cruel que seja. E por isso, esse poder tem que ser tirado dele, no sentido mais filosófico do que literal, de destruir todo seu trabalho e o que ele representa. E vimos que Lex soube, e até presenciou, coisas dentro da "Fortaleza" que fazem seu medo e paranoia dos "demônios vindos do céu" cada vez maiores.
Além disso, há a parte má reconhecida e interpretada por muito sobre o conhecimento de Lex Luthor de outros meta-humanos. Vemos, que, tirando Batman e Superman, os outros membros da futura Liga da Justiça não necessariamente estão atuando contra o combate ao crime e a paz mundial. Alguns vivem isolados (Diana, Arthur), outros apenas deixam a entender que ganharam seus poderes recentemente (Barry), enquanto outros são, literalmente, um segredo de estado (Victor). É engraçado e bastante original que Luthor tenha denominado nomes a eles, e que como esses nomes de fato soam exagerados e flamboyants se for analisar, mostrando aqui uma oportunidade de Luthor sacanear as mesmas imagens divinas que odeia num ato que demonstra claramente seu tipo de humor. Lembrando que, dentro do DCEU, Superman é um nome dado por Lois e perpetuado a partir do uso entre os militares, e o Batman nunca é chamado de "Batman", mas sim de "Morcego" ou "Morcego de Gotham".
Isso também, por outro lado, mostra que Luthor não quer só a cabeça do Superman, mas de outros meta-humanos que possam ser considerados uma ameaça, baseado na sua visão de mundo. E se por um lado, a morte do Superman traz a todos inspiração para sermos melhores, perpetuarmos a bondade entre nós, e influenciar a outros heróis seguirem o seu exemplo, o MOS Answers revela uma interessante interpretação que torna o fim do filme interessantemente ambíguo:
"É fundamental compreender que Lex não quer apenas ver Superman morto. "Eles precisam ver a fraude que você é." Simplesmente matar Superman poderia gerar uma discussão sobre o Superman era um "poder", mas não iria expor o fato de "o poder poder ser inocente" como uma mentira. Apenas matando o Superman, enquanto ele era publicamente percebido como inocente, apenas o remove como um exemplo do poder . Pior, ele o convida para ser martirizado e substituído por outros meta-humanos que perpetuam a mesma mentira. Esta é, de fato, como o filme na verdade termina!"
E vendo por essa ótica, tudo que ele faz no filme é MUITO Lex Luthor da parte dele.
A Lança dos Deuses
A Lança, como arma, é presente em inúmeras religiões, com objetivos diferentes entre si. A mais famosa lança entre as religiões foi aquela usada para perfurar Jesus Cristo na cruz, a Lança Sagrada. Mas temos outros exemplos interessantes, de outras culturas, como pro exemplo a Amenonuhoko, que na mitologia japonesa ajudava os deuses Izanagi e Izanami a criarem massas de Terra, ou a Atgeir de Gunnar na mitologia nórdica, que anunciava com um som (ou uma canção) em antecipação a carnificina que iria ocorrer. E na cultura indiana, temos Vel, lança divina usada pelo deus da guerra Hindu Karthikeya contra o temível Soorapadam.
A principio, você pensa, o que isso tem haver diretamente com Batman V Superman? Muita coisa. Primeiramente, isso se conecta diretamente com temas da filmografia de Snyder, como exatamente a humanização do mito. Leônidas mostrou ao mundo que deuses podem sangrar, ao jogar sua lança e rasgar a bochecha de Xerxes em '300'. O movimento não foi feito de graça da parte do Batman ao fazer "o deus sangrar" fazendo um corte exatamente em seu rosto. E a mais obvia relação é exatamente uma lança ser o instrumento de morte de alguém que é tratado o filme inteiro como Jesus Cristo.
Mas os exemplos que eu apontei no primeiro parágrafo não são de graça. Mostra que Snyder, Terrio e Goyer realmente pesquisaram sobre a utilização da arma em um contexto mitológico e interpretaram isso em sua história para demonstrar sua própria versão. Assim que Batman retira a lança, ela emite um zunido de energia, toda vez que é usada, mas fica em evidência especialmente quando é ativada, na preparação para a batalha do Superman, como como a Atgeir.
A Amenonuhoko aqui ganha conceitos mais simbólicos, já que a utilização da lança tanto da parte de Batman quanto a do Superman faz que esse acabe sendo um instrumento que de fato dê um passo para a criação um novo mundo, num sentido mais lírico. Se após criarem a primeira ilha Izanagi e Izanami se estabeleceram nela. a utilização da lança para tentar matar o Superman e posteriormente para matar o Doomsday, oficialmente inicia e estabelece um novo mundo, por meio da era dos Super Heróis. Com a morte do Superman, outros vão seguir se exemplo (Liga da Justiça) ou tentar preencher o vazio que ele deixou (Esquadrão Suicida).
Mas uma das mais interessantes comparações aos eventos de Batman V Superman pode se fazer com a Vel, pois assim como uma comparação direta com 300, as linhas ficam borradas sobre quem é quem na história. Mesmo Batman e Superman sendo arquétipos mais solidificados, na história contada por Snyder permite uma certa extensão da interpretação exatamente na humanidade que ele injetou em seus personagens e em seu mundo.
Karthikeya carrega várias armas, e cada uma delas tem um significado que fala algo sobre a entidade. Ele é reconhecido pela sua capacidade de superar as dificuldades, por sua força, inteligência, por estender a proteção que oferece a diversos lugares, e usa o pavão como simbolo a destruição do ego. E Batman tem vários gadgets, é reconhecido pela sua capacidade de superar as dificuldades, por sua força, inteligência, por estender a proteção que oferece a diversos lugares, e usa o morcego como simbolo de justiça e superação. Coincidência? Acho que não.
Mas o que importa aqui é a lança, e a lança, para Karthikeya, e esta serve para indicar a purificação das doenças humanas, sendo doença aqui, interpreto eu, sobre o mal que assola os homens. O Mal, neste caso, é Soorapadam, um asura (semideuses com boas ou más qualidades em sua personalidade), que recebeu uma dádiva de ser praticamente imortal, só podendo ser morto por entidade enviada por Shiva em pessoa, e partindo dessa premissa, decide cometer atrocidades pelo mundo. Ao encarar Karthikeya, ele é derrotado, e tanta escapar se disfarçando de árvore, mas acaba sendo morto quando Karthikeya corta a árvore em duas (destruindo assim a o mal desenvolvido, mas não necessariamente sua raiz), gerando o pavão (que lhe serve de transporte) e o galo (que vira um simbolo em sua bandeira), que criam a sensação de legado, assim como o ato de Superman ter derrotado Doomsday gerou o legado que outros tentarão manter e respeitar.
O que fica bem claro na comparação com BvS é o fato de um deus querer matar outro. Mas quem são Batman e Superman nessa situação? Aí as coisas começam a ficar interessantes. Pois se por um lado tanto Batman e Superman são "deuses" com capacidades tanto para o bem quanto para o mal, são as escolhas que eles fazem que acabam o definindo. Se no caso da mitologia Hindu os papéis de herói e bandido estão bem definidos, na mitologia do filme não está, o que acaba por ser um dos fundamentos do conflito no filme. E aí temos a lança, que a partir das revelações do conflito corta a "árvore do ódio" enraizada em Bruce, mas também ajuda a criar o legado do Superman ao ser utilizada pelo mesmo ao se sacrificar para matar Doomsday.
The Devil You Know
Uma das coisas que podem definir a principal reação de Lex Luthor e Bruce Wayne em relação ao Superman é ódio. Ódio fruto da reflexão que eles tem do Superman baseado no que testemunharam em sua primeira aparição. Ambos plantam suas frustrações de vida de não haver um Superman na hora que eles mais precisavam, e cada um tenta do seu jeito acabar com essa divindade. Se Batman prepara para uma caça a seu inimigo, Lex Luthor prepara um elaborado plano que não planeja só destruir ele fisicamente, mas também seu legado.E parte do seu plano inclui Doomsday, o monstro que nas revistas tinha matado Superman, em uma das mais importantes sagas dos anos 90.
Doomsday é um experimento dos primórdios de Krypton, onde o cientista Bertron manipulou geneticamente um kryptoniano, sempre o matando e o clonando até evoluir na sua forma considerada perfeita, que se adapta facilmente as situações de conflito, evoluindo ainda mais a partir disso, e praticamente pode se tornar imortal. Famoso mais pelo feito de ter matado o Superman do que exatamente ser um personagem que tem profundidade, por assim dizer, teve outras versões todas baseadas nesse mesmo conceito: se Superman faz o que faz como um ato de amor para nós, Doomsday é a maquina de ódio definitiva.
E com isso chegamos a versão do filme, e o interessante contexto em que ele é apresentado. Zod foi morto no final de Man of Steel, do qual gerou desnecessárias polêmicas sobre, e quando os rumores apareceram pela primeira vez sobre a presença de Doomsday no filme, a ligação óbvia foi "vão fazer o Doomsday a partir do Zod". Mas por mais simples que seja a conexão dos pontos ali, o fato de Doomsday ser uma continuidade do Zod permite dar uma profundidade que até então o personagem não possuía.
Vemos Zod em 'Man Of Steel' como um reflexo da sociedade que o criou: nascido e treinado toda sua vida para ser o guerreiro perfeito para proteger sua nação, que acabou isolado na Zona Fantasma por tentar cometer um golpe de estado antes que o planeta explodisse. Ele queria o Codex para poder restabelecer Krypton com uma nova linhagem que, ao seu julgamento, não levaria ao mesmo destino de seu planeta outrora explodido. Ao vagar por espaço durante anos, finalmente encontra Kal-El, do qual o Codex foi embutido em suas células. Além do ego e da vingança, que o faz querer reconstruir seu planeta na Terra, algo mais aterrorizava Zod: a sensação de escolha.
Zod comenta com a projeção de Jor-El que não valia a pena viver junto com so terráqueos porque "demoraria anos para se adaptarmos a eles". Zod, dentro da cadeia de comando de Krypton, ele está no topo, pois foi moldado para tal. Na Terra, ele voltaria a estaca zero, e perdido perante o que fazer da sua vida. Escolher seu destino não era algo comum em Krypton, lá você já é pré-selecionado a um destino do qual nunca vai poder mudar. E quando a Black Zero e a Nave/Fortaleza da Solidão é destruída, Zod perde o senso de proposito. Ele se torna uma maquina cheia de ódio que quer destruir Kal-El e o planeta que ele ama.
E com isso pulamos para os eventos de BvS, onde Luthor consegue acesso a aos destroços da "Fortaleza" e o corpo de Zod, parte do grande plano de fazer de destruir a imagem divina do Superman e o homem (de aço) em pessoa. Doomsday acaba sendo gerado da manipulação genética do corpo de Zod com o DNA de Lex Luthor. O que se diferencia aí da versão doas HQs, se antes ele era um clone, aqui ele é transmutado de volta a vida, como um literal Frankenstein. E isso é algo importante, pois no fundo, Doomsday ainda é Zod.
Ele ainda tem memórias da vida passada ele, e em seu primeiro ataque contra o Superman, isso fica bem claro, ao encarar a estátua de Kal-El sendo tratado como um salvador. Isso não só joga a derrota na cara dele novamente, mas é interessante como sua ação depois disso resume todos os atos que Lex Luthor tenta fazer ao longo do filme: fazer o peso das vitimas de seus atos recair sobre seus ombros (com o bloco com os nomes dos mortos do Evento Black Zero sendo usado para derrubar Superman) e destruir a imagem divina/heroica construída dele (com Doomsday destruindo a estátua utilizando o próprio Superman).
Depois disso, ele parte para o topo da torre da Lexcorp, e ao expelir sua energia. é mostrado o monstro de fato. E ali é revelada a verdadeira face do "Diabo", e sua relação com "Deus": se Superman é tudo sobre controle do poder e saber direcionar isso para algo bom, Doomsday é sobre poder sem controle, e como ele atinge e machuca tudo e todos sem diferenciar. O ciclo do filme anterior finalmente se fecha. Zod, na pós morte, ganha um novo propósito, que é matar e destruir discriminalmente, e ele o abraça sem pensar, pois a razão já lhe foi tirada em vida.
E isso causa um espelhamento entre os dois personagens, onde ambos acabam sendo moldados pelas ações que fizeram em 'Man of Steel', e encerram por aqui seu conflito. Você percebe a expressão de prazer de Doomsday matando o Superman, porque no fundo do que resta do subconsciente de Zod, ele se sente realizado. Ele finalmente o achou (como prometeu a Lara) e o matou (como prometeu a Jor-El), e mesmo que não tivesse reconstruído Krypton, por um momento destruiu o legado considerado "imundo" em seu ponto de vista. Ao mesmo tempo, o conflito evolui de Clark escolher o seu mundo para Superman proteger o mundo que ele escolheu. E na sua morte, finalmente Zod pode descansar em paz e uma tridimensionalidade nunca vista antes em relação ao Doomsday foi presenteada a nós, o publico.
Venha nós ao Vosso Reino
O jornalista Walter Chaw odiou Batman v Superman. Mesmo com muitos de seus argumentos serem radicais (porque se encaixam em parte na 'Síndrome do Superboy Prime', da qual vou falar em detalhes sobre este ano), ele apresentou um ponto de vista interessante sobre o porque do boom e do sucesso de filmes de super herói no geral:
"Eu sei que os Estados Unidos começaram a refazer os filmes de terror niilistas que o Japão tinha produzindo há décadas, e eu sei que isso é porque depois de 9/11, os EUA se tornaram a segunda nação moderna industrializada a experimentar os efeitos das armas de destruição em massa detonadas sobre uma área civil. A outra coisa que tínhamos em comum é a arrogância de acreditar que algo sobre a nossa insularidade nos deixou imune a esse tipo de crime. Eu sei que a maioria das outras nações do planeta não vivem de acordo com essas ilusões."
"Se aceitarmos a premissa de que o filme, como toda arte, é a sociologia e história, em seguida, 9/11 é o evento incitante que nos aproximou como uma cultura, cinematograficamente, do Japão. O mito da indominabilidade, seja de que seu imperador é o descendente do "Deus vivo" (revogada em 1946 a pedido do Comandante Supremo Douglas MacArthur) ou que você é a ilha "nação" de Manhattan e seus símbolos priápicos de poder financeiro ficaram como guardiões da passagem para o mundo, de repente, dissipadas por uma potência estrangeira. Poof. Bem desse jeito."
"E de repente você é um cidadão de um lugar diferente onde os deuses são caprichosos e talvez não do seu lado, e as coisas terríveis acontecem sem motivo. O mundo conseguiu ficar mais perigoso, o continente acaba de perder sua virgindade. Sei, também, que os japoneses tiveram sua Kaiju Eiga, filmes sobre "bestas estranhas" ou "monstros" que às vezes são heróis, às vezes não (e sempre destruindo cidades de qualquer forma), desenvolvemos filmes de super-heróis sobre "bestas estranhas" que às vezes são heróis, às vezes não, e as cidades sempre sendo destruídas."
É interessante notar que esses argumentos de fato estão corretos sobre como as adaptações de quadrinhos se tornaram as gigantes que são nos dias de hoje. Esse crescimento deste tipo de filme é fruto do dos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos, por partir de uma necessidade deles, e também nossa (vendo em paralelo), de termos heróis que de fato realizem a nossa fantasia de prever esse tipo de atentado. Mas obviamente isso virou acabando um espetáculo (pois, filmes ainda fazem parte de uma industria, que precisa fazer dinheiro) e o tipo de imagem que anteriormente nos chocava por causa do 9/11 hoje em dia se tornou algo normal no tipo de filmes dessa escala.
E vemos por esse angulo, a pergunta que fica é: porque certas pessoas odiaram tanto 'Batman v Superman: Dawn of Justice'? Sim, o filme tem uma estrutura mais complexa do que os filmes comuns do gênero. Sim, ele insere linguagens que, para os leitores de quadrinhos, são comuns, mas que para o gênero de filmes, é algo relativamente novo em algumas áreas. Mas especialmente, como muitos indicam, o filme causa desconforto, desconforto que, historicamente, não procuramos nesse tipo de filme. Em resumo a grande verdade do filme, a principio, é:
Se o Superman existisse, nós iriamos ter medo dele.
Não vou me aprofundar agora no lado do Batman, e focar no momento sobre o que é a jornada do Superman no até então no DCEU. 'Man of Steel' até então jogou a imagem mais forte dentro desse tipo de filmes sobre refletir a imagem do 9/11 dentro de um filme do gênero até seu lançamento. Vemos de fato, General Zod fazer um ataque terrorista ao planeta Terra na tentativa de terraformar a mesma para transformar o planeta em uma Nova Krypton. Mas tanto em MOS quanto em BvS, o ataque de Metropolis não esconde nem as mortes nem o dano colateral que, pelo fato de dois serem superpoderosos se enfrentarem, inevitavelmente vai acontecer. É uma verdade, mas uma verdade muitas vezes maquiada. Como disso por Sonny Bunch ao Washington Post:
"Tenho a sensação de que o que faz algumas pessoas ficarem desconfortáveis em relação a 'Man of Steel' é que ela reflete mais de perto a forma como a guerra é travada hoje do que um filme como 'Age of Ultron'. A nossa é uma época de terror e drones, das campanhas de bombardeio e as tropas no terreno em áreas urbanas e dos danos colaterais que ela resulta. O filme de Joss Whedon, com sua agressão supostamente livre de acidentes a civis em uma nação do Leste Europeu, chama a atenção para a concepção de guerra a partir de meados dos anos 1990, uma época em que as bombas inteligentes e munições guiadas com precisão deveriam impedir a guerra de afetar inocente pessoas."
"A ideia de que você pode parar de monstros com mísseis, poupando civis inteiramente, é uma fantasia agradável (se falsa), que pode ajudar a explicar por que 'Age of Ultron' ultrapassou 'Man of Steel' na bilheteria em apenas nove dias. Algumas pessoas preferem falsidades calmantes ao invés verdades duras."
Algo comum dentro da filmografia do Zack Snyder é ele te dar o espetáculo, mas não esconder que por trás daquilo há uma terrível verdade. A questão é que, como é comum em filmes de super heróis, para atingir as nossas expectativas, esperamos que todos sejam salvos ou que o espetáculo em si nos desvia a atenção de que há muitos danos colaterais ao redor. Quando percebemos essa verdade, consideramos errado baseado no que é vigente, e aí nos damos conta exatamente da necessidade desse tipo de filme em nossa sociedade atual. Mas podemos abraçar esse fato como um elemento narrativo alternativo e bastante interessante de ser explorado, ou reclamamos sobre isso, pois não se encaixa nas expectativas da formula que, inevitavelmente, acabou se criando e o cercando como gênero.
Podemos aceitar Christopher Reeve dar um soco num Zod sem poderes e afundar nas águas gélidas do Polo Norte e depois enterrá-los numa pilha de cristais gigantes (na versão do Superman 2 de Richard Donner), mas nossa atenção é desviada pelo fato que o herói derrota os vilões, e sai voando com sua amada Lois. Mas quando Clark se ver obrigado a quebrar o pescoço de um Zod que definitivamente não quer resolver as coisas pela conversa é considerado heresia, mas contextual e narrativamente faz todo sentido e não desrespeita o personagem, porque vemos a ação e a reação do ato que ele decidiu tomar, quebrando assim, a formula estabelecida. E com isso, nos leva a real pergunta: Se a figura do Superman nos causaria medo se ele fosse real, como então ele, sendo Superman, nos convenceria do contrário?
Umberto Eco escreveu em 1962 o 'Mito do Superman', uma editorial explicando sua visão sobre os quadrinhos baseado nas histórias do Superman e como ele, de fato, moldou os quadrinhos como conhecemos hoje em dia. Um dos pontos que ele comenta é que as histórias desse meio são pré programas a se auto-reiniciar, mesmo seguindo uma estrutura consequente, algo definido por ele como uma "mensagem altamente redundante". "Ele deriva um prazer para a não-história (se de fato a história é um desenvolvimento de um ponto de encerramento para um ponto de partida a um ponto de começo que nós sequer sonhávamos em chegar), a distração mora na refutação do desenvolvimento de um evento, de retirar a tensão de um passado-presente-futuro e colocar parta o agora, algo amado pois é recorrente" (Eco, Umberto)
A história continua, mas a formula se mantém. Hoje em dia, com universos compartilhados em filmes em peso, sabemos que, inevitavelmente, os personagens vão voltar, porque queremos ver mais deles. Então, como sair da estrutura de não aumentar o nível de perigo, apenas repeti-lo? Você quebra o molde de contar essas histórias, e faz o que Zack Snyder faz maravilhosamente bem, faz dentro dessa estrutura a jornada ser melhor que o objetivo. Esse objetivo, seria, no caso, salvar o dia, mas como ele chega ali e como ele trabalha com o lore desses personagens, são de maneiras "fora da caixa" que faz você refletir e pensar porque eles são do jeito que são, e se tirarmos fora de seu ambiente preto e branco, como eles se sobressaíram como ícones que eles sempre serão de fato num ambiente extremamente cinza. Como Richard Newby relata perfeitamente em seu review do filme:
"O filme de Zack Snyder é aquele que se recusa a baixar o tom da sua temática elevada e se recusa a jogar seus momentos absurdos com piscadelas. Pega fãs e não-fãs igualmente e os arremessa de cabeça naquilo que os quadrinhos realmente são: as coisas mais importantes do mundo e as menos importantes. Quadrinhos uma colisão dos fatos e idéias que compõem os ossos do storytelling, e a tolice inerente, mas raramente reconhecida que vem de assistir homens crescidos em trajes enfrentar crises pseudo-cientificas e crises de identidade existencial. Em Batman v Superman, tudo aqui é apresentado em um pedestal cerimonial, tudo pronto para uma trilha sonora assombrosamente romântica por Hans Zimmer e Junkie XL. Cada linha e imagem é linda e está grávida de história dos quadrinhos."
"Na verdade, o filme funciona muito da mesma maneira que a DC Comics tratam a tempo seus personagens e histórias, com cada evento, cada reinicialização, e cada questão a ser relíquias sagradas deste universo ficcional. O filme de Snyder é muito reminiscente da leitura de uma revista de quadrinhos como se fosse pela primeira vez, não como uma primeira edição, mas um em que a mitologia do mundo foi construída sobre o fundamento de décadas de lore. É totalmente compreensível de como o filme pode e vai deixar deslocados alguma parcela do público, mas há muita coisa boa aqui para chamar o filme remotamente perto de um fracasso."
"Nós chegamos a um ponto agora onde filmes de quadrinhos não pode simplesmente ser julgados por uma sólida ação e permanecer fiel ao que é reconhecível. Esses aspectos, tanto em cinema quanto em quadrinhos, acabará por ser substituído. O que é insubstituível, porém, é o compromisso da Snyder e Terrio a desafiar nossas percepções do filme de quadrinhos e não ter medo e vergonha de usar os conceitos que empurraram esses personagens para a frente através do tempo."
O que vemos é a quebra da expectativa de ver apenas ver eles ganhando, e nos fazer ser mais introspectivos sobre as ações que eles fazem. é um caminho que vai ao contrário e ao mesmo templo complementa o que foi estabelecido por Christopher Nolan. Se ele utilizou super heróis para falar de nosso mundo, Snyder utiliza do nosso mundo para falar algo sobre super heróis. Da reação do publico aos eventos a própria expectativa do que se esperar do personagem e do filme em si, nenhuma das criticas ali é vazia ou gratuita, mas procura exatamente desvendar a relevância deles nesse momento da história.
E é isso o que vemos no caso de BvS: Superman quer genuinamente ajudar as pessoas, mas ele sabe que a sua interferência traz tanto ajuda quanto problemas por um prisma político. Sabemos que ele não é onisciente e onipresente, ele não consegue escutar todo mundo na Terra, mas procura sempre estar ao seu alcance de ajudar as pessoas. Ele trabalha em um jornal, para que como foi dito no final de MOS, pudesse ficar de olho para quando surgisse problemas ele fosse correr para resolver, mas utiliza o seu poder como repórter para tentar fazer algum bem a sociedade ao seu redor. A intervenção que ele faz ao Batman é a primeira vez que ele sai da "zona de conforto" de resgate e salvamento para se impor a alguém que ele considera um criminoso por causa de seus métodos (coisa que, a certo nível, ele estava certo).
Ele acreditava que estava fazendo bem, e tudo isso entra de acordo com a personalidade do personagem em sua fonte original, mas o grande vilão da história de fato é a visão do mundo sobre ele. Jonathan Kent alertou sobre este fato, mas até quando se achar preparado é realmente estar preparado? Após ser brutalmente massacrado em sua crença, afinal, a confiança que ele depositou na humanidade não foi depositada de volta, ele encara o teste definitivo, que no caso cumpri-lo, provará de fato o ponto de Luthor. Mas tudo que ele faz é exatamente para comprovar o contrário: mesmo entrando em confronto com o Batman, ele faz de tudo para tentar fazer parar a sede de sangue do Batman, e se colocou disposto a ser o dano colateral para que Doomsday não pudesse machucar mais ninguém.
Nesse tempo, Superman não só faz Batman voltar a si sobre qual é o real fundamento de sua missão, mas também tirou a Mulher Maravilha da aposentadoria auto-imposta por ela. Ambos são guerreiros cansados de suas missões que procuram afogar a sua dor em mais violência (no caso do Batman) ou em não olhar para trás e viver a vida (no caso de Diana). Superman os trouxe a um denominador comum que mostrou que sim, vale a pena lutar por um mundo melhor, e vale a pena enfrentar o nosso próprio cinismo e desconfiança como sociedade para isso. A tão falada (por motivos bons e ruins) cena dos arquivos da Lexcorp se demostra bem importante porque não só faz o Batman chamar Diana de volta pra esse tipo de combate, mas também mostra o status quo dos outros futuros heróis, que não agem ainda como tal, mas que se tiverem pessoas dispostas a seguir o exemplo do Superman, podem de fato se tornar heróis.
Mesmo que Bruce tenha mandado os arquivos com segundas intenções, afinal ele teve uma indicação que eles precisam se unir e agir para derrotar a iminente ameaça ao futuro da Terra (timey-wimey stuff), o ponto de partida para que isso ocorra de fato é exatamente manter e seguir o exemplo do que foi feito pelo Superman. O que Bruce fala a Diana no funeral de Clark é o inicio do verdadeiro legado do Superman como herói naquele ponto: a Liga da Justiça. E vemos já, no trailer do Esquadrão Suicida, que a própria equipe é uma opção volátil por parte do governo para tentar preencher o vazio do Superman na sociedade. E novamente, dentro da filmografia de Snyder, um sacrifício ajuda a salvar o mundo, mesmo que relativamente a longo prazo.
Mas por outro lado, esse sacrifício pode mostrar um lado não só mais obscuro dos super heróis, mas de nós mesmos em relação a esse tipo de material. Voltamos então para o começo: se Godzilla foi feito como uma forma dos japoneses de encarar e retratar o horror de Hiroshima e Nagasaki, os filmes de super heróis estão em nossa sociedade para exatamente nos fazer esquecer dos horrores que o Estados Unidos (e o mundo) presenciaram. Eles atendem as nossas expectativas de que essas pessoas vão salvar o mundo. Mas algumas das criticas (construtivas) sobre o DCEU apontam que no geral é isso é um ciclo vicioso, e que 'Batman V Superman' mostra isso: super heróis e vilões, seja de qual editora for, são criaturas constituídas de ego, e o jeito que como lidamos com ele é alimentar as nossas ilusões e preencher o espetáculo, sem perceber que, se fossem pessoas reais, estaríamos alimentando o ego das mesmas em dar razão em fazê-las pensar que elas podem moldar e mudar o mundo a sua vontade, a principio, sem a nossa permissão.
O exemplo de Lex e do Batman são os mais claros, mas o que muitos acusam no caso, é de Superman fazer parte dessa equação. Como foi dito no Kotaku "Este Superman não é um alienígena nobre, altruísta que não se contém em fazer o bem em cima da hora . Ele é um narcisista egoísta, cujas falhas principais são todos causados por sua incapacidade de ver a si mesmo em relação ao mundo (que, como a sequência do Knightmare mostra, pode levar a um ponto muito destrutivo)." Esse comentário aponta algo sobre o filme que complica algo simples que sempre esteve ali no canon do personagem: Superman vai sempre tentar salvar Lois. Não é algo novo. O negócio complica quando este Superman, em sua posição de não interferir em eventos diretamente políticos, acaba se vendo obrigado a salvar Lois da morte certa, e ao fazer isso, abre uma reação em cadeia que faz as coisas acabarem mal para outras pessoas e cair no exato problema que ele tenta evitar.
Na minha opinião, isso demonstra algo, que não queremos ver os nossos heróis serem: humanos demais, e por consequência, falhos demais. Não concordo de modo algum que Clark Kent seja um narcisista egoísta, por inúmeros motivos dito anteriormente aqui, além do fato de ser algo que, se estivéssemos nós na mesma situação, iriamos fazer, sem necessariamente pensarmos nas consequências. Isso mostra, desde cedo, como é difícil ser um Superman. Todo movimento que ele fizer será vigiado, calculado e julgado. Mas algo que eu concordo, de fato, é que ele não se vê como "um de nós", mas isso de forma alguma é um desserviço a construção do personagem, porque o "ele" no caso, não se refere a Clark, mas ao Superman. Clark Kent, como individuo, conseguiu achar seu lugar do mundo e objetivo de vida em' Man of Steel', mas ele, como Superman, sobre constantemente julgamento e tendo a trama do filme como sua "Paixão de Cristo", vendo todo seu trabalho como se resultasse em nada, como em muitas vezes nós mesmos nos vemos nesse tipo de situação, porém gerando mais problemas do que aqueles que ele sempre quis resolver.
Seguindo outros exemplos de alienígenas que vivem e tentar agir que nem nós (como David Tennant em 'Doctor Who'), Superman sofre do mal de ser "more human than human". Em tentar ser como nós, ele acaba tendo as nossas mesmas emoções, mas de forma muito mais exagerada. Ele, como qualquer um que se considera humano, precisa de figuras amigas por perto não só para ajudar nos momentos de dificuldade, mas para cultivar o senso de família e amizades que todos pós temos uns com os outros. E mesmo assim, esse problema se encaixa exatamente nas responsabilidades gigantes que de fato ele carrega. Por outro lado, essa necessidade de ajudar e se comprovar como parte de nós é a sua vantagem, e por isso mesmo ele como pessoa se encaixa no arquétipo de herói: ele precisa fazer o bem, não tem opções disso não acontecer. E isso é uma característica que por mais clichê que seja, é básica para qualquer super herói. Clark tem figuras que lhe aceitam como semelhante, mas o grande desafio aqui é ele, como Superman, chegar ao mesmo equilíbrio com aqueles que lhe serve.
E é nesse ponto que isso responde a grande pergunta, não só em relação ao Superman, mas de certo modo da Trindade até o ponto mostrado: Se a figura do Superman nos causaria medo se ele fosse real, como então ele, sendo Superman, nos convenceria do contrário? A resposta para isso é muito simples, mas é um preço que muitos acham caros demais para se pagar: teremos em reconhecer que nossos deuses, esses mitos vivos, são tão humanos quanto nós. E que diferente que apenas esperar eles descerem de seu trono no céu, salvar-nos e esperar a próxima vez, é jogado na nossa cara que sim, ele é humano, mas irá defender tudo aquilo que não só ele, mas nós acreditamos, que um super herói deva fazer. Mas o preço ali a se pagar não é virar as costas para os problemas que os outros podem resolver, ou investir na raiva surgida da frustração de que nem tudo pode acabar de maneira perfeita e intacta, é encarar exatamente esse desafio de ser uma boa pessoa de frente.
Nossos erros podem ser apontados o tempo todo, mas as nossas ações boas são aquelas que nos farão ser redimidos, e no caso, ser exemplos a ser seguidos. A existência de super heróis não está ali para nos servir, mas sim para nos inspirar a atingir nesse nível de grandeza e bondade, por mais humanos, e por consequência falhos, que somos. No fim das contas, como já foi dito aqui, o que foi mostrado em MOS em pequena escala se paga em BvS em grande escala: bondade gera bondade. Não é só receber o bem do outro, mas é reconhecê-lo e também fazer o bem ao próximo. Mark Hughes especifica bem isso (Forbes):
"Batman v Superman não está zombando o idealismo de Superman, que depende dele e usa como base temática para redimir o Batman e todo o mundo, e que levou à criação da Liga da Justiça . O cinismo é intencionalmente enquadrado como a rejeição do mundo ao Superman, que representa os argumentos modernos da vida real sobre se Superman é relevante e compreensível para o nosso mundo, e as reivindicações de um monte de gente que diz que Superman não pode ser interessante por causa de sua bondade e idealismo. Batman v Superman argumenta que em um mundo com tão poucos bons que permanecem desse jeito, com tantas razões para desistir e parar de ter fé, o idealismo de Superman é mais importante do que nunca, mais relevante do que nunca."
E complementando, Andrew Dyce do Screenrant:
"Quando confrontados com o conto impossível de um homem de dois mundos, dois pais, duas ideologias completamente diferentes, Zack Snyder e sua equipe descobriram uma maneira de não fazer mais do que satisfazer um dos lados - a riqueza de 'Super' em Man of Steel - ou até mesmo fazer alguma grande declaração mais ampla sobre a impossibilidade de satisfazer ambos - tema mais óbvio do Batman V Superman. Apesar das probabilidades, eles conseguiram levantar essas questões e mais um pouco... antes de satisfazer ambos os lados da identidade de Kal-El. E no reino da mitologia do Superman, essas histórias são nem de longe tão comuns como alguns podem acreditar."
É uma lição que é ensinada de maneira desconfortável para muitos, e que muitos ainda vão permanecer de cara virada pelo jeito que ela é ensinada, mas nos faz entender porque muitas desses heróis se mantém na ativa e relevantes a quase 80 anos. E mostra que, se antes o molde de se contar histórias do Superman foi quebrado, também mostra que o molde de fazer filmes baseados em quadrinhos também se quebrou. E se o gênero como tal quiser continuar vivo, e relevante, questionamentos como os feitos no filme vão sempre precisar ser levantados. E ninguém melhor para fazer repensar esse tipo de história com aquele que de fato começou esse tipo de história.
E depois disso tudo, acabamos por aqui, esperem bem em breve a analise da jornada do Batman em 'Batman v Superman: Dawn of Justice'. Espero que vocês tenham curtido o texto tanto quanto eu curti fazer e recomendo ler esse outro editorial meu que explora de maneira igualmente detalhada a jornada do Superman em 'Man of Steel'. Até a próxima!