Bem, estamos de volta depois de muito tempo fazendo review de uma série, neste caso em específico falando sobre a incursão da Garota de Aço na TV, e a primeira produção em live action com a heroína em praticamente 30 anos. Com o sucesso de 'Man of Steel', houve um interesse maior das pessoas em consumir e conhecer mais de seu universo, e a série serve de ótima porta de entrada para isso. Confira abaixo minha analise dessa primeira temporada.
1) "O que tem de errado com Garota?"
'Supergirl', sendo curto e grosso, é basicamente o 'Batgirling' atingindo os seriados de TV baseados em quadrinhos. Mas não pensem que, de forma alguma isso é ruim, pelo contrário. Assim como o movimento nas revistas não só trouxe mais leitoras e ajudou a equipes criativas formadas por mulheres a terem mais destaque, também abre uma necessária porta para igualdade de oportunidade dentro da industria cinematográfica. É tudo sobre atrair um publico que está lá, mas não necessariamente tem algo exclusivo feito para elas, e é importante essa inclusão, que inevitavelmente vai atrair também a fatia masculina fã do gênero por ser um seriado baseado em quadrinhos.
2) A ascensão de Cat Grant
Cat Grant foi criada por Marv Wolfman e Jerry Ordway em 1987 como uma colunista de fofocas do Planeta Diário e possível novo interesse amoroso de Clark Kent, e nos anos que se passaram, e com as histórias contadas, se mostrou uma personagem com bastante possibilidades, podendo usar ela tanto em comédias quanto em tragédias. Mas a grande surpresa aqui mora em como Cat Grant não é só a melhor personagem de todo show mas também a mais bem escrita. Misturando elementos dos Novos 52, com coisas da fase do Sterling Gates e alguns outros elementos chave de sua construção como personagem ao longo dos anos, a atuação de Calista Flockhart vai SEMPRE alguma hora do show roubar a cena, definitivamente sendo a que menos sofre com as irregularidades que as vezes a série apresenta.
3) Um conto de dois Olsens
A ideia de trazer um Jimmy Olsen mais velho e madura foi uma ótima ideia de tornar a mitologia da série algo própria, além de dar um elemento a mais entre o relacionamento de Jimmy e Kara. E a dinâmica funciona, assim como a interpretação de Mehcad Brooks merece mais carinho por parte dos fãs, já que interpreta um Jimmy Olsen que respeita as suas origens mas que tem uma maneira diferente de olhar o mundo. O grande problema foi tornar a principio essa relacionamento em um triangulo amoroso com a chegada de Winn Schott Jr (Jeremy Jordan), filho do clássico vilão Toyman.
Winn era, basicamente, o Jimmy Olsen clássico, e aí bate na velha questão de porque ter dois personagens com o mesmo arquétipo "brigando" pela mesma garota? Foi preciso chegar o episódio em que aparece o Toyman para Winn dar uma guinada como pessoa e personagem, e se tornar um amigo melhor, tanto da Kara quando de Olsen, e ter suas próprias narrativas, suas próprias aventuras. Enfim, em se tornar, de fato um personagem por si só, numa evolução que começou ruim mas que se pagou muito bem no final.
4) As duas faces de Alura
Alura em 'New Krypton' era uma personagem fascinante de se ler. Se por um lado tínhamos a mãe carinhosa e protetora, por outro lado tínhamos a politica mão de ferro que fazia valer sua vontade. o show se utilizou bem disso em dividir a personagem em duas: Alura (Laura Benanti), a mãe carinhosa que trabalhava no conselho de Krypton, e Astra, a irmã gêmea rebelde que tentou cometer um atentado terrorista na tentativa de "salvar o planeta", e em especial, como as diferenças e as coisas em comum, sejam positivas ou negativas, entre elas afetam a relação das mesmas com a Kara. A morte de Astra no meio da série foi uma surpresa que só faz vários personagens crescerem e amadurecem.
5) O Salvador de Marte e o "problema" chamado Alex
'Supergirl' tem alguns problemas (a serem tratados mais a frente), e entre eles estava em tentar trazer o publico cativo (masculino) da DCTV para um show que não se demonstrava firme em ser um show puxado mais para o lado infantil ou um show leve que englobasse todas as faixas etárias. A introdução de Hank Henshaw na série gerou uma série de suspeitas, especialmente por causa do vilão que é é nas revistas, o Super-Ciborgue, mas acabou que ele se revelou como J'onn J'onzz, o Caçador de Marte, com uma maravilhosa e bem fiel adaptação interpretada por David Harewood. A revelação não só trouxe um amado personagem as telas, mas por seu trágico background obrigou a série a amadurecer seu jeito de contar histórias, e com isso fez criar um "problema" entre aspas que eu indiquei.
E qual seria esse problema? Alex (Chyler Leigh) cresceu demais e se tornou uma personagem muito mais interessante e facetada do que Kara. Os episódios do meio da temporada faziam você ficar muito mais interessado e ansioso pelas ações de consequências da Alex, e por tabela, as de J'onn, mesmo que, por motivos óbvios, a história focasse mais nas ações da Supergirl. Os motivos da jornada de Kara ter sido meio irregular ao longo da série vai ser explicado mais a frente, mas tanto Alex quanto J'onn começaram a ser tratados de um jeito que você realmente se importa com ele e suas ações mais que a personagem principal. E isso é sempre perigoso.
6) Non, Indigo, e a fome pelo poder
Se Astra era uma vilã dentro da série, os laços dela com o passado em Krypton e com Kara no presente mostram que, por mais errados que sejam os meios que ela procura obter o controle do poder, ela ainda procura fazer aquilo que ela considera o bem maior para quem ama e o povo no geral. Já Non, com uma adaptação bem diferente de sua concepção clássica, se contenta em ser o segundo em comando, só esperando a sua vez de governar. Mas diferente de Astra, Non é realmente é uma pessoa má, e com isso desenvolveu uma relação bem próxima com Indigo, a I.A humanoide da mesma família de Brainiac.
Indigo tem uma fome de conhecimento e controle que é inerente a sua raça: quanto mais informação, melhor. Non está contente em satisfazer o seu desejo interior e o desejo de sua ex-esposa, que é de salvar a Terra. Os eventos ligados a Myriad não diminuem o papel de Non como vilão, mas no fim das contas ele acabar sendo a marionete de Indigo, mostrando aqui uma interessante dinâmica sobre os reais vilões da série. Indigo é o diabo que sussurra nos ouvidos de Non, que força a ele a entrar em conflitos cada vez mais diretos com Supergirl e cia, pelo caos que isso provoca e as possibilidades que isso traz a ela.
7) Um sorriso que salva o mundo
E chegou a hora de elogiar (e muito) Melissa Bernoist, que definitivamente foi outra ótima escolha do diretor de elenco David Rappaport. Melissa consegue equilibrar a ternura com o badassary esperado de um super herói, e mesmo o roteiro colocando ela em certas posições que fazem o espectador estranhar seu comportamento como mulher adulta (chegaremos nesse ponto em breve), Melissa incorpora na série todas as qualidades que fazer Supergirl ser uma ótima personagem: ela te emociona, te deixa feliz, te diverte e consegue melhorar o astral de qualquer um transmitindo a felicidade dela.
8) Liderança pelo exemplo
Mas afinal, do que se trata a série exatamente? Temos por um lado., Kara Zoe-El, tentando levar a vida que seu primo mais famoso, Superman, procurando fazer o bem e tentando mudar o mundo para melhor pelo exemplo, de ser uma emissária de esperança e transmitir o mesmo, mas encarando a livre escolha das pessoas de pensar o que quiser sobre ela, seja coisas boas ou ruins. Mas no fim das contas, Supergirl acredita no melhor das pessoas, por isso faz o que faz. Astra quer salvar a terra do mesmo destino de Krypton, utilizando a Myriad, programa de controle mental, para fazer as pessoas agirem de acordo com que ela acha que é o melhor para salvar o planeta. Então o conflito fica entre essas duas ideologias que querem salvar o mundo, e o embate causado pela diferença que dar a escolha de aderir aquilo ou não.
9) "A maldição de Christopher Reeve" (e outros problemas)
O crossover com 'The Flash' mostrou um problema sério em relação a série: Supergirl não se define como uma série infantil ou uma série direcionada para jovens mas englobando pessoas de todas as idades. E isso a principio parece algo pequeno, mas se for analisar, afeta diretamente a maneira deles de contarem a história, que claramente pega inspirações dos filmes do Christopher Reeve como Superman. O problema aqui, que fique bem claro, não é tirar inspiração dos filmes do Reeve, mas é aquilo que os produtores acham que isso se trata. E aí, voltamos a "Maldição do Christopher Reeve" (aka Síndrome do Superboy Prime), que mitifica uma visão/abordagem do Superman como o correto enquanto exclui todo o resto (prometo falar mais a fundo sobre o assunto esse ano).
'The Flash' consegue ser muito mais parecido com os filmes do Donner por, mesmo que seja leve em seu tom, leva seu mundo, seus personagens e suas ações a sério de maneira madura, enquanto Supergirl, por muitas vezes, por tentar ser um exemplo as crianças, afeta a maneira de contar a história de maneira mais madura e enxuta, assim como também causa estranheza por muitas vezes não tratar Kara como uma mulher adulta de fato. Então você tem um equilíbrio entre episódios que são realmente bem feitos e episódios que acabam auto-explicativos e simplistas demais para o publico adolescente/adulto (e esse é um problema fortemente presente nos primeiros episódios). Se tem algo que a série precisa corrigir para a sua segunda temporada, é definir qual publico quer atingir de fato para que aí decida focar um estilo narrativo definitivo, porque navegar entre os dois não tem mantido uma certa regularidade se visto ao todo.
O outro problema, por mais irônico que pareça, é a presença do Superman. Ou no caso, a não presença dele, que por mais que tentam manter ele longe, insere uma série de questões do que poderia ser feito se ele tivesse oportunidade de se apresentar de fato, ou se o fato que ele poderia estar presente ajudando a resolver certos problemas e no fim não está deixa o fato ainda mais inorgânico. Na maioria das vezes que apareceu é por mensagem de celular ou em algum momento "piscou, perdeu". Por causa da "invisível" regra que certos personagens não podem estar nos filmes e séries ao mesmo tempo, deixa como uma escolha artística forçada ele meio que ser o "Wally"da série: se piscar, perde ele de vista.
10) Better Angels
No episódio final da série, tudo acontece com o o previsto: a mensagem inspiradora da Kara liberta a população de National City do controle de Myriad, mas como ultima instancia, Non e Indigo pretende usar as ondas de Myriad para, literalmente, explodir a cabeça de todo mundo. Supergirl e o Caçador de Marte partem para o combate contra os vilões, Supergirl joga Fort Razz para o espaço (sendo que o general Lane, e o exercito americano, sabiam todo tempo aonde estava a base) e é salva da morte por Alex, que pilota a nave em que Kara chegou na Terra. J"onn recebe o perdão presidencial e retoma o controle do DEO, dividindo a missão com Lucy Lane, enquanto Kara é promovida na CatCo. E como gancho para a próxima temporada, uma misteriosa nave Krytoniana chega a Terra, e quem está dentro dela deixou Kara em choque...
Veredito
Supergirl é um show bastante divertido que também é um bem necessário no quesito que pode trazer outros shows de heroínas dos quadrinhos para a TV. Mas apesar de divertido, seu fluxo entre os os extremos de públicos que querem atingir muitas vezes não o define exatamente o tom da história em algo leve, porém com maturidade, ou algo mais simplista em favor de um melhor processamento do publico mais jovem. E pelo tom dos dois últimos episódios, me parece que eles escolherem bem o lado que eles devem encaminhar na segunda temporada, o que eu considero uma decisão acertada se o resultado na próxima temporada se pagar em um show mais enxuto. Apesar das dificuldades iniciais com os efeitos especiais e as cenas de ação, eles conseguiram melhorar bastante ao longo do tempo. E o elenco consegue lidar muito bem tanto com a parte da comédia quanto a parte dramática,e faz você se importar com eles.
No geral, Berlanti e Kreisberg trouxeram o show mais leve e "para toda a família" atualmente da DCTV, o que não é necessariamente algo ruim, mas que pode ter alguns ajustes para o futuro. Porém ainda mantém o alto padrão da maioria dos shows produzidos pelo produtor (desculpa 'Arrow') e tem tudo pra trazer uma segunda temporada a explorar todo o seu real potencial. Além disso, a própria existência e sucesso do show é uma prova positiva que o publico está avido a consumir mais de Superman e seu mundo (obrigado, Zack Snyder), sem ter medo de diferentes interpretações do mesmo (coisa que, para muitos, a "Síndrome do Superboy Prime" ainda não permite apreciar...)
NOTA: 7.5