sexta-feira, 25 de março de 2016

Batman V Superman: O Despertar dos Homens do Amanhã


CUIDADO! CONTÉM SPOILERS!!!

Na San Diego Comic Con de 2013, Zack Snyder se apresenta ao palco e diz "Vamos fazer um novo filme do Superman" e anuncia que ninguém menos que o Batman estaria presente no filme. 'Man of Steel' checou causando uma comoção por apresentar uma (necessária) nova e moderna versão do Superman, e 'Batman V Superman: Dawn of Justice' chegou com a missão de não apenas seguir a história inciada em Man of Steel, mas ao mesmo tempo introduzir o resto do Universo DC Cinematográfico. Tarefa complicada, que fez o filme até ser adiado para revisões no roteiro e escolha, de fato, dos outros heróis a comporem esse mundo. Mas logo após tudo isso, a pergunta que permanece é: o objetivo foi cumprido?

A história do filme começa com um breve flashback da morte e enterro dos pais de Bruce Wayne (Ben Affeck) também conhecido como o vigilante chamado Batman. Pulamos depois para os acontecimentos do 3° ato de 'Man of Steel', onde Bruce Wayne testemunha o Evento Black Zero e vê, de uma perspectiva nada positiva, a tentativa de Superman (Henry Cavill) de salvar o planeta. 2 anos depois, a opinião publica ainda é bastante divida sobre o Homem de Aço, e tudo tende a piorar quando um resgate de Lois Lane (Amy Adams) na África abre um incidente internacional que questiona ainda mais as ações do herói. Nesse cenário, o empreendedor e cientista Lex Luthor (Jesse Eisenberg) vê uma oportunidade de iniciar seu caça as bruxas ao Superman e outros meta-humanos, que chama a atenção da misteriosa Diana Prince (Gal Gadot). E correndo em paralelo a Lex, Batman também tem planos para em definitivo derrotar o Superman, sem saber que ambos os heróis são apenas peças no tabuleiro de Luthor.


Zack Snyder balanceia a volta de sua marca visual mais forte junto com o tom mais realista estabelecido em 'Man of Steel', o que gerou uma experiência visual evolutiva se comparar com o mesmo. É o mesmo mundo que ele estabeleceu no filme anterior, mas com uma mais pesada influência dos quadrinhos. Mas a evolução também se torna até do próprio jeito que se lida com o material, e isso é o que deve mais incomodar aqueles que não são fãs do diretor e/ou da abordagem, exatamente aprofundando a realidade de suas ações, o seu significado e como isso afeta os outros personagens naquele mundo, dentro dos temas que são característicos do diretor. Não é só sobre adaptar os elementos dos quadrinhos, mas colocar sua marca e seus temas como diretor ali, tendência essa a ser seguida por todos os outros filmes da DC adiante. Batman v Superman é uma evolução do que foi feito em Man Of Steel, mas calcado num caminho que se aproxime mas aos quadrinhos mas sem abandonar o perfil realista.


A Mulher Maravilha tem, no geral, uma ótima introdução no filme, interpretada iconicamente por Gal Gadot. A principio sendo o "elemento surpresa" do filme, entrando em paralelo a trama de Bruce com Lex, ela acaba sendo o elo que demonstra que a "teoria dos meta-humanos" de Lex é bem real, e sendo de ajuda fundamental na batalha final. Apesar de que a sua ótima atuação deixa um gosto de quero mais, sua introdução no filme com o espaço que teve foi boa o suficiente, decidindo mostrar um paralelo interessante entre a veterana de guerra que desistiu de defender a humanidade voltar a ativa, com a guerreira (relativamente) mais jovem que vai até o mundo dos homens e acaba batalhando na Primeira Guerra Mundial (como a ser visto em seu filme solo).


Além disso, a introdução dela ajuda a fazer ponte com o filme da Liga, expondo não somente ao Batman mas também ao publico não só que Lex está bem ciente do que se esconde lá fora, mas dá algumas dicas do status atual da personagem: de que mesmo "aposentada" ainda mantém certas habilidades, riquezas e contatos suficientes pra ter cuidado de manter sua identidade escondida de todos. Pensar que de todos os investigados por Luthor não teria um que suspeitasse é puxar demais o limite de descrença, e  ainda mostra um novo jeito de desenvolvê-la como personagem dentro do gênero, o que torna ainda mais interessante o fato de contar a sua história de trás pra frente, de certo modo.

Ben Affleck consegue trazer não somente o Batman mais fiel as revistas já visto, mas mantém também trejeitos de personalidade próprios, assim como o Superman de Cavill. Tendo um Batman mais velho, e com a maior aceitação do que ele faz não é necessariamente um "trabalho limpo", já que como ele diz mesmo ao Alfred, "fomos sempre criminosos". E por ser mais velho, e mais pessimista com o próprio legado do seu trabalho, a tendência é que ele seja mais violento, e até em certos momentos chegue a, indiretamente, matar. Isso casa, de fato, com a principal fonte de inspiração pro personagem no filme ('The Dark Knight Returns' de Frank Miller) e não deixa a desejar a nada pra quem quis sempre ver algo aproximado desse Batman nas telas, mesmo que esse comportamento mais agressivo é criticado por Alfred (Jeremy Irons).


Um Batman que, por um lado seu modus operando se assemelha muito a versão de Miller, mas que por outro lado traz uma faceta publica do Bruce Wayne mais fiel entre todos os filmes. Temos o playboy, bussinessman e filantropo ali bem presentes, além do detetive, tendo um grande espaço para as ações como mesmo dentro do filme. Mas, como bem disse uma vez Grant Morrison, "Batman precisa do drama para ser relevante", e isso se demonstra logo no começo com a visão de Bruce sobre o ataque de Metropolis, e a destruição do prédio de uma de suas empresas, assim como o elo emocional que tinha com muitos de seus trabalhadores ali. É o tipo de situação que deixa o personagem com a mesma sensação indefesa que teve quando perdeu seus pais, exatamente definindo as ações do personagem ao longo da história.

E para a positiva surpresa de muitos, o filme acabou se tornando uma sequência de MOS, e focada no Superman, sua evolução e especialmente a visão externa dos outros ali envolvidos. Ele sofre as consequências nada agradáveis quando seu papel de herói acaba gerando complexas sócio-politicas reações sobre suas ações. Se em certo nível seu objetivo é simples, as implicações de quando e contra quem agir faz questionar o papel desse herói especifico na sociedade: ele deve seguir um governo? E se sim, qual? Mas se ele é visto como um deus, ele tem que ter barreiras geográficas ou politicas? Deve-se julgar seu papel no mundo como se julga um soldado, como, no fim do filme deixam bem claro a entender que é a visão do governo americano? E em especial, tem dois tipos de duvidas acerca do personagem desse filme: na visão praticamente divina que lhe é colocado, deus deveria ter limites? E baseado em nossa própria humanidade, e do lado bom e mal que ela traz, um ser que só age para nosso suposto bem deve ser confiável?


E nesse momento vemos o impacto disso no próprio Clark Kent, como pessoa. Ao ser constantemente criticado pelo trabalho que faz, como qualquer um, passa por crises de confiança. Dúvidas. Ele tenta seguir em frente, mas as coisas são levadas longe demais, após um incidente que acabou por ser julgado sua culpa. E com isso, ele procura forças para seguir em frente, e essa força ele encontra em suas ancoras emocionais, que são sua mãe, Martha (Diane Keaton) e Lois Lane. São as duas pessoas dentro do filme que o colocam no eixo, e dizem o que ele precisa ouvir. Mesmo que perto do fim ele é devidamente massacrado em seus conceitos (graças a Lex Luthor), na hora da grande luta com o Batman ele ainda procura algo que convença a ele, e por consequência ao mundo, de que o Superman não é o inimigo.

E com isso, voltamos exatamente a um dos temas bastante presentes dentro da filmografia de Snyder: Sacrifício. Lex Luthor prepara um plano que exatamente suje a imagem do Superman ao ponto de ninguém mais acreditar no símbolo que ele construiu para si. Superman entende muito bem seu papel como herói, e o que isso pode levar a escolha de se sacrificar pelo bem do mundo. E é isso que no fim ele faz: não apenas para salvar Metrópolis, ou Gotham, ou o mundo, mas aquilo que é de fato seu mundo, e que lhe é de mais valor, que são as pessoas que ama. E em seu sacrifício, vem a triste verdade a tona: que por nosso medo, o julgamos mal, ao ponto que fomos manipulados a pensar que ele seria um fator ruim em nosso mundo.


Mesmo que nossa visão sobre ele tenha sido reavaliada para melhor, não vai trazê-lo de volta. Mas fica-se a lição: se temos capacidade para o bem, devemos colocá-la em prática, mesmo que o mundo ao redor complique isso. Mas em especial, não é só fazer o bem, mas se conectar e acreditar nos outros a partir disso, além das diferenças e achismos. É pegar toda a filosofia de 'Man Of Steel' e botar na prática, sabendo que pela nossa natureza haverá complicações disso. "Quer ver o monumento dele? Olhe ao redor." tem força porque é por isso que Superman luta e defende, tornando os embates do personagem mais dimensionais do que só Kryptonita ou o vilão da semana. E assim como em Man of Steel, ele é "bem vindo a terra" ao final, de uma forma simbólica, mas não se pode manter uma lenda quieta por muito tempo...

E não tem como falar de Superman sem falar de Amy Adams como Lois Lane, novamente tendo destaque na trama e fazendo o espaço dela valer. temos mais da jornalista e da namorada do Superman em ação, e o desenvolvimento dela é inerente ao do Superman, mas sem necessariamente tornar a personagem escrava do relacionamento. Ela tenta ajudar tanto Clark quanto Superman, enquanto descobre uma conspiração para acabar com o mesmo, que é conectada por uma rede de crimes e mentiras que acabam por antagonizar indiretamente com Lex Luthor e seus planos. A jornada dela vai vai ao centro dela como personagem, de expor a verdade e fazer ela valer quando se é o correto, mas em especial vai ao embate de um questionamento que ela faz logo no começo do filme, de como amar alguém que você sabe que se sacrificaria em nome do mundo? O que descobrimentos, como foi dito acima, que para Clark tem muitas definições de mundo. E ainda sim, Lois vai acabar sendo o centro do conflito que pode salvar ou destruir o mundo em Justice League'...


E depois de tanto falar dele, é hora de destacar, pra mim, a melhor atuação do filme, que é de Jesse Eisenberg como Lex Luthor. Trazendo um vilão realmente assustador, com elementos originais e que ainda sim incorpora as melhores qualidades do Lex dos quadrinhos, temos um personagem multifacetado, instável, poderoso e inteligente demais para a segurança dos outros. Se as pessoas refletem seus receios e esperanças na figura de seus deuses, esse Lex faz a mesma coisa do seu próprio jeito: seu ego não permite que ninguém pode ser maior do que ele, especialmente se alguém mais poderoso bate em conflito direto com sua visão de divindade.


Assim como nos quadrinhos, Luthor acredita no potencial humano, mas por ser humano, também abraça as coisas boas e ruins que eles são capazes de fazer para se estar no topo. E ver o ser mais poderoso da terra agindo de maneira puramente altruísta o abala até a raiz. E de todos os personagens, Lex acaba sendo a personificação da Apatia, que dentro da filmografia de Snyder é mostrada como elemento presente na sociedade a ser combatida. matar, subornar, manipular, não há limites. Não há conexão emocional com ninguém. O credo de Luthor é Luthor. E se deuses podem existir, demônios podem ser criados artificialmente, sendo Lex responsável por Doomsday como ultimo recurso contra Superman, uma criatura que personifica o mais puro ódio ao herói.

Perry White (Lawrence Fishburne) volta mais fiel aos quadrinhos, o que a princípio acaba sendo uma grande mudança de personalidade em relação a sua ultima aparição, mas entende-se duas coisas a partir daí: White sabe que Clark é o Superman, e pelo fato dele ser Superman ele não vai tratar com diferença o repórter Clark Kent, ele o força e pressiona como qualquer outro repórter de seu jornal, até mesmo a Lois. Jeremy Irons como Alfred está perfeito, e perfeito também pode ser descrito a conexão entre as Marthas (Wayne e Kent) que fez o papel de Diane Lane crescer e trazer interações bem interessantes com outros personagens. Destaques para Holly Hunt e Scott McNairy, que trouxeram dois personagens originais que teve importância crucial na trama nos primeiros atos e que deram gancho para algumas das cenas icônicas do filme.


E dentro do elo com o Universo DC, Zack Snyder fez um bom trabalho de por de maneira orgânica o que pode vir pro futuro, com a sequência 'Knightmare', além de dar a ponta e introduzir vários membros da Liga da Justiça. Se Luthor tem investigado a um bom tempo outros meta-humanos. A chegada da Mulher Maravilha na trama faz abrir os olhos de Bruce sobre a existência de outros, mas a chegada do Flash (Ezra Miller, que vai fazer Grant Gustin suar em breve) e a visão de um futuro dominado por Darkseid, tenho um colossal teaser na forma dos sensacionais Parademons. E isso não só funciona como ele do filme da Liga mas também trabalha ao favor do próprio plot do filme, dando mais um outro (importante) motivo pro Batman ir atrás do Superman. E mesmo no fan service mais gratuito do filme consegue introduzir os futuros membros da Liga, com Jason Momoa fazendo pouco pra tornar o Aquaman sensacional e o genial casting de Joe Morton (Terminator 2) como Silas Stone, pai do Cyborg. Destaques também pro easter egg ambulante que é o papel de Michael Cassidy, como Jimmy Olsen, Agente da CIA, e Callan Mulvey como KGBeast, e um parabéns especial por ter escondido todo esse tempo o bacana retorno de Kevin Costner como Jonathan Kent.


Apesar de um conhecimento básico do Universo DC poderá fazer você aproveitar mais as pequenas, porém importantes, aparições e pistas daquele mundo ao longo do filme, não chega a atrapalhar o entendimento da mesma. Pode-se fazer conexões depois com os eventos dali, ao mesmo tempo E algo que vale ser citado é que, seja em relação a coisas da própria trama quanto a trama de futuros filmes, foram todas bem colocadas e amarradas, tendo um crescendo na história até seu apoteótico ápice. Nada neste filme foi feito de graça, foi tudo contextualizado para a história que eles estavam contando no momento, mas também dando pistas e indagações sobre o futuro. Não acho que o pace da edição foi um problema, apesar que uma sequencia ou outra poderia ter sido melhor editada (e destaco aqui a batalha do Knightmare Batman).

Zack Snyder defende a sua visão do Superman e do Universo DC nesse filme e segue revolucionando e forçando a todos a pensar sobre uma visão que não somente é refrescante, para todos os personagens, mas que no geral desafia o status quo do que é "certo" dentro das adaptações de quadrinhos. Tratamos heróis como deuses porque os ideais que eles defendem são maiores do que nós, mas é em sua humanidade, e na capacidade de ter os mesmos medos e receios que nós e ao reconhecer as mesmas, que eles nos mostram força e empatia. Apesar da (clara) campanha contra o filme, só só reafirma o que eu martelo aqui faz tempo: Snyder é o Sam Peckinpah nerd, e não importa a campanha negativa que faça pra seja qual for o filme dele, a qualidade da obra se sobressai ao tempo, o ódio não. Só ver 'Man of Steel' como exemplo mais próximo.


Chega a ser irônico até, a posição de Snyder e Superman serem a mesma com aos seus críticos: criticado por pessoas que supostamente o entendem (mas que no caso é ao contrário), nem tentam olhar por outro ângulo sobre, enquanto ele sempre tenta trazer seu melhor, e usualmente consegue.  O filme é sobre ídolos, e a visão e antecipação que impomos sobre eles. Não é mais sobre os homens que podemos ser, mais os heróis que queremos ser, a diferença que de fato faremos no mundo e com o próximo. Mas também é um filme de fãs para fãs, seja eles fãs de cinema, mas especialmente os de quadrinhos. No final, como Bruce Wayne mesmo diz, é sobre acreditar que "os homens ainda são bons."

NOTA: 9.0