segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Script Review: 'Justice League: Mortal'


Olá pessoal! Hoje eu decidi começar algo novo aqui. Não vou resenhar filmes, mas vou resenhar scripts, especialmente roteiros de filmes que por N motivos nunca chegaram a serem concretizados como tal. Com 'Mad Max; Fury Road' fazendo história, e os recentes rumores que o diretor do mesmo, George Miller, poderia assumir 'Man of Steel 2' ou outro filme dentro do DCEU, me deu a vontade não só de falar sobre o filme nunca feito da Liga da Justiça pelo diretor. Mas antes de mais nada, vamos falar um pouco da história por trás do filme.

O roteiro do qual George Miller dirigiria foi escrito pelo casal Kieran e Michele Mulroney (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), com o anuncio do filme, assim como a sua pré-produção começando em 2007, com data de lançamento para 2009. Com o nome de produção chamado '7 Friends', as filmagens iriam acontecer na Austrália, com a Weta dando suporte no figurino e nos efeitos especiais, com um orçamento de 220 milhões. O elenco era composto de Adam Brody como The Flash, D.J. Cortina como Clark Kent/Superman, Common como o Lanterna Verde John Stewart, Hugh Keays-Byrne como Caçador de Marte, Santiago Cabrera como Aquaman, Megan Gale como Mulher Maravilha e Armie Hammer como Batman.

George Miller, com parte do elenco e equipe

Os vilões do filme seriam Teresa Palmer como Talia Al Ghul e Jay Baruchel como Maxwell Lord, além de claro, os OMACs. Hoje em dia sabe-se que Adam Brody faria Barry Allen, apesar que na época acusava-se que ele iria fazer na verdade Wally West (que está presente no filme), sendo que o nome de Woody Harrelson estava fortemente ligado ao nome de Barry Allen no ciclo de rumores. Stephen Tobolowsky, de acordo com os rumores, estava sendo cotado para fazer o papel de Alfred Pennyworth.

Mas o que aconteceu para o filme ter acabado sendo não feito? Acabou que foram uma serie de coisas envolvidos que dificultaram muito a vida de Miller e cia. Primeiramente, havia a duvida de como o filme seria gravado, já que havia uma discussão de ser filmado no sistema de motion-capture, o que acredito que em algum ponto foi descartado, já que sets estavam sendo construídos e figurinos sendo feitos. Mas apesar desse problema ter sido resolvido, havia muitos outros pelo caminho. Primeiramente havia a duvida se o Batman de Christopher Nolan e o Superman de Bryan Singer deveriam ou não fazer parte do filme, e como o lançamento de 'The Dark Knight' e da sequência até então programada de 'Superman Returns' iria interferir a percepção do publico com dois Batman e Superman diferentes em tela.

O golpe final veio em duas frentes: primeiramente com o aumento abusivo dos impostos australianos, que fez a Warner reconsiderar mudar as filmagens para o Canadá (coisa que George Miller foi contra), e a greve dos roteiristas que aconteceu entre 2007 e 2008, que impediu que o filme tivesse mais uma bem vinda revisão por parte de todos os envolvidos. Com o atraso para o início das gravações a um ponto que teriam que mudar a data de lançamento e o estrondoso sucesso de TDK, eles decidiram acabar de vez com o desenvolvimento do projeto. E adormecido ele esteve, até que em 2013 o roteiro a ser resenhado agora vazou e teve sua veracidade confirmada, então vamos a ela.

Modelo da máscara/rosto do Caçador de Marte feito pela WETA

A história se passa num mundo onde todos os grandes super heróis da DC Comics foram estabelecidos, e o que vemos é um mundo onde eles vivem a um bom tempo, chegando finalmente a famigerada paz mundial. Ainda há os pequenos problemas, mas é um mundo que dá a entender que coisas como guerra, fome, e outras desigualdades foram acabadas ou estão sendo mudadas pra melhor. É uma sociedade em evolução, do qual seus heróis podem assumir outros postos e ainda sim continuar a cuidar do mundo numa forma que não seja impedindo desastres ou entrando em brigas.

Por outro lado, temos o fato de que os super heróis já não são mais uteis como antes. Ele viraram celebridades, rock stars tratados como deuses, relíquias que vão inspirar as futuras gerações a manter o que eles começaram. Isso tudo é comprovado pelo Planet Krypton, a rede de fast food tirada de 'Kingdom Come' que mistura McDonalds com Hard Rock Café, comandada pelo multimilionário Maxwell Lord (falaremos mais sobre ele depois). Mas adivinha o único herói que não está contente e relaxado com a paz mundial rolando? Ele mesmo, Batman, que criou um sistema de vigilância para vigiar os vigilantes, chamado Brother Eye, que não só vigia os principais heróis do mundo mas também tem catalogado as suas fraquezas, e como utilizá-las.


Só que há um problema: há alguém além do Batman controlando Brother Eye e ele está usando para atacar cada um dos grandes heróis da terra: Superman, Mulher Maravilha, Aquaman, Caçador de Marte, Lanterna Verde e Flash. E este ataque fazem todos se reunirem pela primeira vez para descobrir qual é o real problema e a fonte dele. E os ânimos se exaltam quando a fonte dos problemas é um dos próprios heróis. Batman também não está feliz em seu plano de contingência cair nas mãos erradas e ser utilizado contra o seu propósito original. E quando as coisas se complicam, o que eu posso dizer é que, se as pessoas hoje em dia reclamam que os filmes da DC Comics são darks, eles não estariam preparados pro que Miller iria fazer.

Concept art oficial do filme

Você sente que mesmo com a descrição simples de certos acontecimentos no script, sabendo que George Miller estaria gravando essas cenas, que elas não seriam tão clean, ou amigáveis. baseado no histórico do diretor e no que foi escrito, 'Justice League: Mortal' poderia ter sido a coisa mais mais hardcore a ter sido feita com heróis mainstream no cinema. O segundo ato do filme, em sua maior parte ocorrido na Fortaleza da Solidão, praticamente transforma o filme em 'The Thing' do Carpenter. Você lendo sente a pressão do ambiente, das ações dos personagens em salvar todos, e da angustia e desespero que isso era. A primeira leva de transformações de J'onn J'onzz, logo do primeiro ataque do OMAC, parecia ter uma vibe bem mais freak e grotesca que não só Carpenter fez em 'The Thing' mas como Eddy Barrows faz atualmente na revista do personagem. Não imagino de forma alguma que Miller pegaria leve aqui.

Uma coisa positiva é que o filme consegue captar bem a personalidade dos personagens sem ter que ficar explicando muito de seu background, afinal era a Liga da Justiça, e todo mundo conhecia minimamente quem era seus membros. Para você curtir o filme como expectador, não precisava de 7 filmes contando a história dos personagens individualmente, porque eles contavam que 1) você não nasceu ontem 2) você não seja idiota em não reconhecer os heróis mais conhecidos do mundo, seja lá qual for a interpretação que você tenha deles.


Você entende de primeira quem e o que eles são, e pra curtir o espetáculo que o filme traz é só disso que você precisa, a interação entre eles fará eles crescerem e evoluírem como personagem. J'onn J'onzz é marciano escondido entre os humanos, ajudando os mesmos. Aquaman é o rei atlante que tenta aprender os bons valores do povo da superfície. O arquiteto John Stewart transforma a sua imaginação como arma e escudo com o anel dos Lanternas Verdes. Mulher Maravilha é a embaixadora da paz que sabe muito bem a hora de lutar, e todos tem um respeito genuíno por ela, além de conseguir encarar todos de igual fisicamente. Ela é basicamente a 'Furiosa' desse filme.

Mas entre os personagens principais da equipe, é importante dar destaque ao Superman, Flash e Batman. Apesar de não mostrar muito da vida dele fora do uniforme, o Superman de George Miller me intriga, porque seu background é cercado de mistério, ao mesmo tempo no que é mostrado no script, deixa uma coisa bem clara: esse é um Superman com anos, talvez décadas de atuação, possivelmente desligado de todos seus colegas, seja por vontade própria, ou pior, pela força do tempo. Ele encontra no network de heróis uma nova família, e a unica até então que a restou, já que como a Fazenda recriada na Fortaleza indica, Ma e Pa Kent também estão mortos. Em termos de romance, vemos a possibilidade de um affair, e provas um carinho genuíno, com a Mulher Maravilha.


Ninguém do Planeta Diário chega a ser citado no filme, somente Lois Lane, mas de nenhuma forma indica que ela esteja presente naquele mundo ou até mesmo viva. assim como em nenhum momento vemos a equipe do Planeta Diário se fazer presente na trama, nem como se fosse um cameo. A solidão desse Superman é reforçada pela sua primeira cena no roteiro: sentado num banco de praça, vendo literalmente a vida passar, enquanto faz um pequeno gesto para alegar uma criança. Por mais depressivo e dramático que isso soe, Clark Kent está de bem com sua solidão, sabendo que todo seu sacrifício não foi em vão para de fato tornar um mundo melhor.

Em segundo lugar temos Barry Allen e Wally West, aqueles que mantém o legado do Flash. Barry Allen representa o homem comum entre deuses, e é em boa parte o alivio cômico e o coração não só da equipe mas do próprio filme, já que vemos boa parte da reunião desses personagens por seu ponto de vista. Apesar de ter momentos em que suspeito que funcionaria, mas o humor do personagem é algo que na maior parte do tempo é bacana de acompanhar e com certeza iria ser algo popular entre o publico, que dá mais impacto ao sacrifício em que ele faz no final.


Wally West é não somente uma versão mais jovem de seu tio, como também é um hacker bastante talentoso, algo que acredito que pegaram emprestado de Tim Drake para não ter que introduzir mais um personagem dentro do filme para não tirar o foco do que lhe interessavam contar, além de ter algo importante sobre o Universo DC que é a sensação de legado. Acho que a interpretação de Iris Allen, aqui resumida em usar o seu amor por ela como combustível para agir como um super herói e proteger as pessoas, seria algo que hoje em dia não faria tanto sucesso, em muito por substituir a jornalista pela dona de casa. Eu pelo menos senti falta disso, que seria um boa substituição a Lois Lane.

E no fim chegamos ao Batman, personagem que acaba sendo o mais importante do filme, ao mesmo tempo que ele geraria as maiores polêmicas. Com um mundo chegando a coisa mais próxima de uma utopia, Batman se torna o paranoico do qual se propõe vigiar os vigilantes, criando assim o Brother Eye. Isso dá obviamente errado quando o OMAC tem acesso ao satélite, e usa isso contra os maiores heróis da Terra, colocando Batman numa posição onde ele é constantemente subjugado e detido por seus amigos e inimigos. Não há uma linha entre o limite de se importar de fato e a paranoia dele, e tudo isso volta ao que o personagem é: como ser humano, ele quer fazer a diferença, mas o que acontece quando ele não reconhecer que sua missão está finalmente sendo cumprida?


Coisas, muito, muito ruins, que obrigam a Batman lidar não só com sua própria mortalidade, mas também como sua jornada como herói falhou, e o preço a se pagar. Ele não consegue impedir que OMAC conclua (até então) o seu plano, como seu fracasso mata Talia (possuída pelo OMAC) e quebra o pescoço de Maxwell Lord para tirar o controle mental do Superman (mas disso vocês não reclamariam, não é?) Só acho que o roteiro peca exatamente por não explorar a consequência direta dos seus atos, Batman apenas se junta a equipe e tudo fica bem. Seria muito mais interessante haver um ultimo julgamento que acabaria com Batman percebendo que precisava mudar, e a Liga seria parte importante para essa mudança de comportamento e status quo. talvez fosse algo que na revisão eles acrescentassem, mas nunca saberemos na verdade o que ia rolar.

E isso nos leva aos vilões. Pela descrição dos roteiros, os OMACs em si são bastante poderosos e assustadores, não sendo fáceis de derrubar, e com os efeitos da WETA, ficariam sensacionais. Só que as coisas complicam quando, na verdade, Maxwell Lord é o OMAC, Explicando: o Projeto OMAC (One Man Army Corp) originalmente envolvia controle da mente e manipulação genética para o mesmo, envolvendo o nascimento e morte de várias crianças. Com a entrada da inteligência artificial e tecnologias da computação nos anos 90, o projeto passou a evoluir e ficar mais caro, fazendo que fosse cancelado. Só que OMAC,  já formado como inteligência artificial. sobreviveu dentro no corpo da unica criança que sobreviver e manisfestou os poderes de controle da mente.


Assim, utilizando das maravilhas da computação, ele acabou construindo digitalmente capital suficiente para adquirir a outra identidade, de Maxwell Lord, tendo acesso aos capitães da industria e governos. Com o crescimento constante dos super heróis, MaxOMAC viu como uma ameaça a ser eliminada, e correndo atrás de como fazer isso, acabou esbarrando com Talia e seu plano de se vingar do Batman pela morte de seu pai, Ra's Al Ghul, e por todos os sacríficos em vão que ela teve que fazer para que no fim Bruce distanciasse ela (e outras mulheres, como Julie Madson, Silver Saint Cloud, Mulher Gato e Hera Venenosa -!!!-) da sua vida a favor de sua missão. Talia aceita a ajuda de Max e conta sobre como ela poderia utilizar o Brother Eye pra isso, sem saber que há planos maiores em pauta. Parte importante desse plano é o Planet Krypton, do qual utiliza-se do alimento da rede de fast food para espalhar os nano robôs que irão construir o exercito OMAC.

Se alguns reclamam do jeito que Talia Head foi tratada em 'The Dark Knight Rises', as reclamações seriam muito maiores em JLM. Tratada como uma mera bondgirl glorificada, com um desenvolvimento raso, ela tendo mais cenas e uma maior participação daria pra desenvolvê-la bem melhor do que até então tinha sido feito. E sobre Maxwell Lord, tenho sentimentos conflitantes, porque se por um lado complementa muito bem a trama do Batman, por outro lado sinto que é melhor não mexer em time que está ganhando, mas mesmo assim a forma de como o plano dele foi abordado foi muito boa, utilizando o próprio consumismo e comodismo da humanidade contra ela mesma.

Outra coisa que vale a pena citar pelo roteiro é que George Miller estava preparado para fazer obras de artes com a fotografia, trazendo momentos que por si só deveriam ser emoldurados num quadro, numa abordagem bastante parecida com que ele acabou fazendo em 'Fury Road'. vendo as descrições do Aquaman dar um mergulho e pegar carona numa baleia, da grandiosidade da Fortaleza da Solidão, a transformação dos OMACs, e em especial os momentos dentro da Speed Force, dava pra perceber que George Miller não queria desperdiçar ali nenhum frame possível do filme. Com certeza iria ser algo bem próximo ao que Zack Snyder está fazendo atualmente.

O roteiro precisava de claros melhoramentos, especialmente no desenvolvimento dos vilões, apesar de ser bem sucedido por entregar ao publico o que ele quer. Uma reescrita não só iria polir o plot e os diálogos, mas especialmente deixar a mensagem dele mais clara, e isso é importante, pois é aí que mora a grande força desse script: para os Deuses, nada é mais perigoso que a Utopia. Super heróis são figuras que precisam do caos para se manter relevantes, e o que é comprovado quando a paz é finalmente alcançada é que nada é mais perigoso quando os Deuses ficam entediados.


E tudo isso leva a outro fato importante: não devemos esperar que os Deuses nos entreguem tudo de mão beijado, eles tem ser a catapulta para que nós, como sociedade, alcancemos a paz que tanto queremos por nós mesmos, tema este levantado adivinha aonde? Exatamente, em 'Man of Steel'. O filme precisava de uma polida muito bem vinda, mas mesmo assim, a versão que foi escrita tem força o suficiente para se manter sozinha. Mas se o destino tivesse deixado dar os últimos updates e acabamentos, poderia se tornar, senão um filme clássico, um game-changer do gênero como 'Os Vingadores' foi.

NOTA:7.5

PS: Para mais curiosidades sobre o filme, chequem o projeto de documentário @JLdoco.